sábado, 26 de maio de 2012

FLÁVIO ASSIS APRESENTA UMA FEIRA IMBUÍDA DE RITMOS E BRASILIDADE

Tal qual feira livre, onde de tudo se encontra um pouco, o cantor e compositor soteropolitano apresenta seu mais recente trabalho moldado em um salutar mosaico de ritmos afro-brasileiros e influências diversas.


Por Bruno Negromonte

Todo mundo na vida já deve ter passado por uma ou ao menos tem ideia do que é uma feira livre e suas peculiaridades. Em qualquer lugar do mundo as características de tal evento são extremamente semelhantes e muitas vezes iguais. É comum cada comerciante expor as suas diversas mercadorias e, por meio das devidas retóricas, procurar atrair o cliente exercendo o seu poder de persuasão. Geralmente se dá melhor aquele que apresenta uma mercadoria de boa procedência e de qualidade inquestionável, sem contar que ter um alto grau de discernimento sobre aquilo que expõe é fundamental para um êxito maior. Essa pequena introdução se faz necessária para a abordagem do artista que aqui vos apresento e a sua respectivo "mercadoria". O produto ao qual me refiro na verdade trata-se do fruto da imaginação do artista, cujo caudaloso sumo de inspiração deu vazão ao disco "Feira Livre", segundo trabalho autoral do cantor e compositor Flávio Assis.

Nascido na cidade de Salvador, Flávio traz arraigado em seus trabalhos autorais todas as fontes das quais bebeu e que hoje são alicerces de sua sonoridade,  tecendo em suas letras e melodias um verdadeiro mosaico constituído por imagens diversas que nos remetem às peculiaridades da cultura nordestina, mas especificamente a baiana. Lugares como a Praça Castro Alves, passando pelo Dique do Tororó, Igreja do Bonfim e Elevador Lacerda tem lembranças cativas em suas letras e molodias. Tal qual o Rio Paraguaçu (o maior rio genuinamente baiano) nada detém a sonoridade de Assis, que perpassa por boa parte do território baiano absorvendo diversas influências que desembocam em sua música. Isso talvez pelo fato do senhor Francisco Assis e dona Eliene dos Santos ter concedido ao artista nascer na cidade do Salvador. Por falar em sua progenitora, é necessário falar um pouco sobre a sua coleção de LP's que foi outro fator preponderantemente essencial para o interesse do pequeno Flávio pela música. Nomes como Djavan, Amado Batista, Luiz Gonzaga, Geraldo Azevedo, Roberto Carlos, Caetano, Raul Seixas, Elis Regina, Chico Buarque entre tantos outros faziam parte do acervo dela e talvez por isso Assis a considere a primeira professora de música, por ser a pessoa que o ensinou a ouvir diversos artistas com ouvidos despidos de pré-julgamentos, de rótulos. A partir daí o violão se fez uma constância na vida de Flávio Assis ao longo de boa parte da infância e início da adolescência, sobretudo por influenciado do pai (que dedilhava melodias de Luiz Gonzaga) e o vizinho Gerson Veloso.



Ao completar treze anos mergulhou em definitivo no aprendizado de um instrumento e passou a estudar de maneira formal tanto o violão clássico quanto popular até os 17 anos, onde a partir daí passou a estudar na escola da vida tendo lições diárias ao tocar nas noites da capital baiana. Posteriormente acabou tornando-se professor (depois de passar pelo curso de geografia na Universidade Federal da Bahia) e em 2009 lançou o seu primeiro disco, cujo título é “A Cor da Noite”. Neste álbum de estreia a produção ficou a cargo do próprio artista e do músico Gilmário Celso e traz como repertório canções autorais a partir de suas expressões melódicas, harmônicas e textuais afro-brasileiras. O álbum conta com a participação do cantor e compositor paraibano Chico César.

Três anos depois, o trabalho da vez trata-se de  "Feira Livre" disco lançado em 2011 e que vem sendo divulgado pelo artista ao longo deste ano. São 13 faixas autorais que perpassam pela sonoridade do recôncavo baiano, como se evidencia nos toques de origem africano presentes em "Sexta-feira"A canção com termos em yorubá e saudações a orixás celebra o dia que é almejado por muitos ao longo da da semana; já o amor chega carregado de sonoridade no belíssimo afoxé "Cambuí". A faixa posterior ("Embolá") mescla a embolada nordestina com maracatu (outro ritmo genuinamente da região) em uma simbiose interessante, mostrando as peculiaridades da linguagem coloquial interiorana.

Na faixa seguinte, "Sertança", Assis traz a elementos sonoros cosmopolitas em uma letra que aborda as agruras e características do sertão, cujo refrão nos remete ao grande clássico "Baião da Penha" de autoria Luiz Gonzaga e Guio de Moraes. A faixa posterior é a que batiza o álbum, o disco segue trazendo um samba em forma de ode a uma moça prosa que quando entra na roda ganha passe livre também para dançar no coração do interprete, esta canção leva o nome da tal dançarina: "Maria". O álbum segue com a balada "Bouquet" que denuncia a auto-definição do artista quando diz: Minha percepção musical é necessariamente polifônica e "Areia" (faixa que devido ao "ocean drum" nos remete a um contexto marítimo). "Se Fosse Mar(sem dúvida o momento mais intimista do disco) vem sob novamente sob égide do amor. Já o reggae "Meias de lã" recorre a saudade e o amor como eixo central e tem como letra um lirismo interessante, impregnado de elementos do cotidiano de um casal.

A trinca que encerra o disco é composta pelas canções "Bembé do Mercado" (canção composta em homenagem ao evento que ocorre anualmente no município baiano de Santo Amaro da Purificação para celebrar a abolição da escravatura), "Zabelê" e por fim "Trezena" (canção cujo título faz alusão ao nome que é dado aos treze dias de encontros destinados às orações concedidas a Santo Antônio). Conduzindo a produção deste trabalho está o instrumentista, cantor e compositor Roberto Mendes e sob a sua égide estão presentes Tedy Santana (bateria), Gustavo Caribé (baixo), Duarte Velloso e Paulo Mutti (guitarras), Bóka Reis e Cuca (percussões), Jelber Oliveira (sanfona), Alex Mesquita (violão folk), Dinho Filho (coro e sampler) e Jurandir Santana (viola). Sem contar com o agradável design do disco, cuja concepção foi desenvolvida pela gráfica AF Design buscando alcançar e refletir aquilo que se faz de modo mais evidente no disco: elementos sonoros de pluralidade diversas que somando-se em suas peculiaridades formam uma coerente unidade. 

São letras e melodias que retratam de forma fidedigna um pouco do muito que a sonoridade tem a partir da Bahia, que tanto já foi cantada em verso e prosa por diversos nomes do cancioneiro popular brasileiro. Distante daquilo que é lúgubre e sempre em consonância com a alegria, Assis perpassa a partir de uma fusão de ritmos (uma espécie de polifonia que segundo o próprio ampara a sua arte) de maneira hibrida, por pelas fontes das quais bebeua, fazendo desse trabalho um verdadeiro cartão-postal de sonoridade sem igual.



Se posso me apropriar de algum neologismo para definir o trabalho deste artista seria "baianidade", cujo termo seria a síntese ideal para definir um misto de musicalidade e Bahia (dois termos indissociáveis). Assim como a Ponta de Humaitá, o Abaeté, Ondina e Itapoã a música de Flavio Assis é algo indissociável. Mais um talento para somar forças à rica sonoridade existente em nossa música e como diria o refrão de uma das canções presentes no disco: "Crê quem quiser São Tomé!"


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