sábado, 24 de outubro de 2015

FERNANDA CUNHA - ENTREVISTA EXCLUSIVA

Lançando o seu sexto álbum, Fernanda Cunha traz em "Olhos de mar", canções inéditas de grandes nomes da música popular brasileira como Filó Machado, Cristovão Bastos e Carlinhos Vergueiros

Por Bruno Negromonte




Procurando manter-se longe de estereótipos, a cantora e compositora Fernanda Cunha vem trilhando um caminho coeso e peculiar dentro da música popular brasileira. A artista mineira vem colecionando ao longo dos seus anos de carreira fonográfica alguns projetos dignos dos mais distintos reconhecimentos. Álbuns que tem por características a escolha de um seleto repertório que abrange desde os grandes nomes do panteão de nossa MPB até aqueles de menos notoriedade. São discos que partem de interessantes premissas que permeiam o contexto musical ao qual a artista vivencia desde o seu nascimento, uma vez que traz em seu DNA arraigado a influência de expressivos nomes que contribuíram ou continuam a corroborar para que a música brasileira de qualidade no Brasil não esmoreça diante do nefasto mercado musical brasileiro. Conduzindo a terceira geração dessa família pra lá de musical, Fernanda Cunha vem fazendo brilhantemente a sua parte como pudemos observar recentemente aqui mesmo neste espaço a partir da matéria "FERNANDA CUNHA REITERA SEU TALENTO E QUALIDADE MUSICAL EM OLHOS DE MAR". Atualmente a artista vem divulgando o seu sexto álbum intitulado "Olhos de mar", disco que traz Fernanda ao mercado fonográfico após um hiato de dois anos e que tem como característica principal um repertório composto totalmente por material inédito a partir de  diversos compositores contemporâneos e uma grata surpresa para aqueles que conhecem as origens da artista: "Olhos de mar" apresenta uma composição de Tite de Lemos em parceria com a saudosa cantora Telma Costa, mãe da cantora. Solicita como sempre, Fernanda hoje volta ao nosso espaço para este bate-papo exclusivo onde fala da escolha dos seus repertórios, de suas incursões no universo autoral, sua carreira no Exterior entre outros assuntos que valem a pena conferir. Excelente leitura!





Todos aqueles que conhecem sua trajetória artística sabem que você vem honrando as gerações que a antecederam no universo musical. Salve engano você já faz parte da terceira geração nesta família banhada de talentos. A quarta geração já está atenta para esta responsabilidade de dar continuidade, dentro da MPB, a esta linhagem tão impar?


Fernanda Cunha - Eu não tive filhos, minha irmã também não teve, e meu irmão acabou de ter 2 que ainda são bebês. Os filhos de 2 primos da parte da família de minha mãe que estão na pré- adolescência já estão aprendendo música, um deles toca baixo e gosta muito de música clássica. O outro está aprendendo violão e faz aulas de canto, mas não sei se teremos uma quarta geração de músicos. Ainda é muito cedo pra gente ter essa resposta.




Vez por outra você aventura-se no universo da composição e os resultados destas incursões acabam ganhando registros em seus álbuns. Para você qual a maior dificuldade: atuar como compositora ou, como intérprete, escolher um repertório em meio a uma imensidão de possibilidades existentes?


FC - Sem dúvida cantar é o meu ofício, e escolher repertório não me traz nenhuma dificuldade, pelo contrário, eu me sinto num parque de diversões com tantas possibilidades pra escolher. Tentar contar uma história através do roteiro de um CD ou de um show é um dos maiores prazeres que tenho. Compor não é minha prioridade, normalmente tenho feito letras para melodias que me enviam. Não acho um trabalho fácil, porque a gente tem que primeiro entender o que aquela melodia quer dizer, e depois tentar achar um tema e ajustar as palavras nas notas da melodia. É meio matemática com poesia. No caso dessas ultimas duas letras que fiz para as melodias do Reg Schwager que entraram no meu novo CD, foi um processo mais natural, fluiu mais rápido. A canção mais lenta (Saudade de você) veio quase inteira no meio da madrugada. Já o samba, levei alguns dias pra terminar.


Sua carreira no Exterior já encontra-se sedimentada a partir de países como o Canadá e alguns outros existentes na Europa. No entanto, talentos como o seu e de tantos outros existentes tiram leite de pedra para ter seus trabalhos devidamente reconhecidos pelo grande público. Em sua opinião qual a razão de tamanho paradoxo? 

FC - Ter o trabalho reconhecido pelo grande público no Brasil passa por uma questão muito mais complexa do que a gente possa imaginar.O grande público não tem como adivinhar que tem vários cantores,músicos, compositores fazendo música de qualidade se essas músicas não chegam aos ouvidos deles. Quem leva essa música aos ouvidos do grande público? As rádios comerciais e a TV aberta. Quem leva os artistas para as rádios comerciais e TV? Como é que um artista independente como eu e tantos outros fazemos para tocarmos nas rádios? É um custo muitíssimo alto que eu não tenho como pagar, e mesmo que se tivesse, não faria. Não faz nenhum sentido pagar 500 mil reais ou mais pra estourar uma música no Brasil. Sinceramente não vejo mérito algum nisso. Os sertanejos dominam o mercado, e alguns artistas pop com um marketing violento também ficam em evidência de uma hora pra outra. É claro que os que não tem talento algum, não vão conseguir se manter ativos por muito tempo. Temos muitos exemplos de sucessos meteóricos que nunca mais ouvimos falar. Pela minha experiência , o público brasileiro gosta sim de musica popular brasileira com riqueza melódica e harmônica. Todas as vezes que tive oportunidade de cantar para platéias maiores no Brasil, fui muito bem recebida e vendi muitos discos (que é um feedback imediato se o público gostou ou não). No ano passado fiz um show ao ar livre no Museu da Casa Brasileira em São Paulo num domingo chuvoso às 11 horas da manhã, e certamente a maior parte das pessoas que lá estavam não conheciam meu trabalho, e vendi 2 caixas de discos, e ainda faltou. Me lembro também de um outro episódio há 7 anos atrás quando eu estava lançando meu CD “Zingaro” em duo com o violonista Ze Carlos , um disco de voz e violão com repertório que abordava as parcerias de Tom Jobim e Chico Buarque. Naquela época o jornalista Antonio Carlos Miguel escrevia no Globo. Ele gostou do disco e fez uma crítica bacana de mais ou menos meia página do segundo caderno do Globo. A secretária de cultura de Goiás leu a matéria e pediu que me ligassem para eu fazer show lá no festival de Pirinópolis com esse trabalho de voz e violão. Quando eu e Ze Carlos chegamos lá, vimos que a atração de sexta feira era o grupo do Hamilton de Holanda (um sexteto se não me engano) e como convidado especial o João Bosco. Era um showzão maravilhoso que tivemos a oportunidade de assistir. E no sábado o show era eu e Ze Carlos, só nós dois no palco, uma voz e um instrumento somente. Nós dois pensamos: “estamos fritos”. O nosso show era num teatro grande, e estava lotado, uma platéia absolutamente silenciosa durante a execução das canções, aplausos calororos no fim de cada canção, e vendemos todos os discos. Foi um susto (no bom sentido). Então te digo, a culpa não pode ser jogada no público Brasileiro. Fico aborrecida com isso. Quem não deixa esse tipo de música chegar à eles são os “atravessadores”. São sempre os mesmos curadores fazendo a programação dos poucos festivais de jazz e outros poucos projetos que temos (muitos inclusive por meio de “editais” sem muita credibilidade no julgamento ao meu ver). É a velha e conhecida “panelinha”, e aí a roda não gira muito. Pense, é inacreditável a Tania Maria, uma de nossas maiores representantes do “Brazilian jazz” no exterior (mora na Europa há mais de 30 anos), nunca ter feito um show no Maranhão que é sua terra natal. São Luis tem um festival de jazz anual, como é que não convidam a Tania Maria pra se apresentar? Eu continuo morando no Brasil porque quero (ainda), mas não gosto desse lugar de “artista não reconhecida” que muita gente tenta me colocar. O papel de vítima nunca me interessou! Por isso continuo produzindo meus trabalhos com o repertório que eu acredito, acompanhada de bons músicos, e quando é possível me apresentar no Brasil, faço com muita alegria, muita mesmo. Não tenho dificuldade de vender os Cds que produzo, recebo muitas mensagens no meu site de pessoas de vários cantos do país que acompanham meu trabalho desde o início, e tenho o tamanho que posso ter. Hoje em dia temos a internet à nosso favor, uma grande aliada dos artistas independentes. E tenho uma carreira bastante sólida no exterior que me permite exercer meu ofício com liberdade e dignidade. Já me apresentei 10 anos consecutivos em festivais de jazz e clubs de jazz no Canadá inteiro, em diversos teatros em Portugal de norte a sul, na Áustria, Dinamarca, França, Espanha, Malásia, Argentina, enfim, enquanto eu tiver saúde e determinação, a música vai rolar seja aqui ou em qualquer lugar do mundo.


Como pode-se ao menos tentar atenuar tal contexto? 

FC - É uma complicação isso tudo, não tenho resposta pra te dar. A classe artística da minha geração tinha que ser mais unida e mais indignada. Falta uma pitada de indignação pra transformar esse cenário. E vejo muitos jornalistas especializados em música totalmente desestimulados também, sem ter espaço nos grandes jornais pra escrever o que realmente acham importante.


De uns tempos para cá alguns artistas vem fazendo releituras de projetos antigos de sua autoria ou não como é o caso do cantor e compositor Alceu Valença, que pretende fazer por esses dias uma releitura do seu álbum “Vivo” (projeto lançado no final da década de 1970) e lançá-lo em CD e DVD em breve. Já passou em algum momento você fazer uma releitura do disco lançado por sua mãe?

FC - Não, não tenho nenhuma intenção de fazer qualquer releitura do disco de minha µãe. Aquele trabalho é impecável, não cabe releitura. Os arranjos são primorosos, minha mãe está ali de corpo , alma e voz.


Com “Olhos de mar” você busca um viés aquém da realidade do mercado fonográfico atual ao apresentar um disco de intérprete caracterizado por um repertório de qualidade e totalmente inédito. Qual o preço que você acredita pagar por essa coerência sonora?

FC - O mesmo preço que eu pago há 18 anos. Eu poderia ter desistido se não tivesse buscado a alternativa da minha carreira no exterior. Cantar em importantes festivais de jazz pelo mundo pelo mérito do meu trabalho, me dá o estímulo necessário pra estar viva e continuar a produzir.


Como se deu a escolha deste repertório?


FC - Primeiro o Daniel Gonzaga me mandou uma música espontaneamente, disse que tinha um samba que era a minha cara. Eu amei, e fiquei com vontade de fazer um CD de inéditas. Pedi ao Cristóvão Bastos pra compor uma canção e depois pedi ao Nelson Wellington pra colocar a letra. Liguei pro Antonio Adolfo que me deu a belíssima “floresta azul” com letra de Ze Jorge, e comecei à pensar nos outros compositores que eu gostaria de gravar, compositores que sei que continuam compondo muito sem tanta visibilidade. Carlinhos Vergueiro, Filó Machado e Judith de Souza, Denilson Santos... O holandês Reg Schwager que mora em Toronto (e é meu violonista quando estou por lá ) me enviou 2 musicas pra eu colocar letra, e por fim achei a canção de minha mãe com letra do Tite. Fechou rápido, muito natural mesmo. Não houve aquele processo que ouço por aí d egarimpo árduo, de escoher 10 em 150...nada disso. Tudo que recebi, gostei de cara. Depois foi só distribuir entre os arranjadores e dar a minha interpretação.

Consta no disco uma canção inédita de sua mãe em parceria com Tite de Lemos. Podemos esperar advindo deste acervo ainda alguma surpresa em projetos futuros relacionados à Telma Costa?

FC - Infelizmente acho que não. Essa musica estava em um DVD de um show que os dois fizeram no Rio. Eram canções do disco dela, mais algumas canções de Edu, Milton, etc, e essa única autoral estava no meio. O registro do show não tem qualidade para virar um DVD, por exemplo.


Maiores Informações:
Site Oficial - 
www.fernandacunha.com


Aquisição do álbum:

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