sábado, 15 de novembro de 2014

MILTON CARLOS, 60 ANOS

Ao longo deste mês, se vivo, o cantor que morreu aos 23 anos completaria 60 anos.

Por Bruno Negromonte




Acho que minha vida se divide em antes e depois desse dia. Pensei em voltar a estudar, em tomar outro rumo, mas no meio dessa tempestade encontrei vários amigos que me abrigaram, emocionalmente e, mesmo sem perceber, continuei fazendo sozinha o que sempre fiz desde menina: brincar de fazer músicas. Desse momento em diante, sem mais o meu amigo para brincar comigo. Foi assim que fiz, numa madrugada, uma música desprovida de qualquer ambição futura, uma confidência sincera: ‘Outra vez’. Gravei essa canção numa fita entre outras e entreguei para Roberto Carlos”. (Isolda - cantora, compositora e irmã de Milton Carlos)



Milton Carlos vivia em um tempo, mas se identificando com outro, como expressou em composições como 1910 (gravada pelos Incríveis), Largo do Boticário, Samba quadrado e Memórias do Café Nice (gravadas por ele próprio). "Milton sempre alugava meus tios perguntando como era São Paulo antigamente, como era o bairro do Bexiga, como era no tempo de vovô. Meus tios contavam, contavam e ele perguntava mais e mais", lembra Isolda.

Numa tarde de 1973, durante uma conversa no estúdio da RCA, Eduardo Araújo comentou com Milton Carlos que naquela semana iria à casa de Roberto Carlos mostrar-lhe uma composição que tinha feito para ele gravar. O outro então perguntou se Eduardo Araújo poderia levar também uma fita com uma composição dele com a irmã. "Mas o que eu vou ganhar com isso?", perguntou Eduardo Araújo, brincando. "Tudo que tenho é um fusca. Se Roberto Carlos gravar minha música, dou meu fusca pra você", prometeu Milton Carlos, que gravou numa fita sua composição Amigos, amigos.



Eduardo Araújo deixou as duas fitas com Roberto Carlos e foi passar uma temporada em sua fazenda em Minas Gerais. Na volta, ligou para o cantor. "E aí, Roberto, vai gravar minha música ou não vai?", perguntou em tom descontraído. "Dudu, sua música é bonita, mas acho que ela não é pra mim. Mas eu gostei daquela outra com uma mulher cantando", respondeu Roberto Carlos. "Mulher cantando?" "É, bicho, aquela que fala de um cara apaixonado por uma amiga." "Mas não é mulher, Roberto. É Milton Carlos, um rapaz que tem voz fina." Não era falsete. Milton Carlos foi uma criança que não teve mudança de voz. Ele crescia, mas sua voz continuava infantil e com o tempo feminina. Era uma voz ímpar, bastante peculiar porque continha, além da beleza esfuziante, uma evidente androginia. E isso chamou a atenção das gravadoras, que logo o convidaram para gravar por volta de 1970. E o que podia ser uma coisa negativa se tornou positiva.

Depois de falar com Roberto Carlos, Eduardo Araújo telefonou para o autor de Amigos, amigos: "Milton, você pode passar aqui em casa e deixar a chave do fusca porque Roberto Carlos vai gravar sua música". Milton Carlos ficou alguns segundos em silêncio, respirou fundo e perguntou: "Isso não é brincadeira sua, não? Roberto Carlos vai mesmo gravar minha música?". "Pra gente foi uma loucura, uma loucura", lembra Isolda. "A gente não queria acreditar. E quando vimos a confirmação no jornal com a lista das músicas do novo disco de Roberto fizemos a maior comemoração. Chamamos os amigos, saímos, pagamos o chope para todo mundo."

Outras canções da lavra dos irmãos Milton Carlos Izolda e gravada pelo Rei Roberto Carlos foram as canções "Um jeito estúpido de te amar" e "Pelo avesso" (música com um refrão de forte apelo popular: "Eu quero seu amor a qualquer preço/ quero que você me tenha até pelo avesso/ pra me sentir envolvido em seus cabelos/ faça de mim o que quiser/ eu sou seu homem, você minha mulher..."). Por via das dúvidas, Milton Carlos foi ao estúdio da RCA, gravou as duas Carlos: autores de fora entrarem com mais de uma música num mesmo disco do cantor.canções numa fita e a enviou para o escritório de Roberto Carlos em São Paulo. Agora era torcer e esperar. Pois foi uma agradável surpresa para os autores saber, algumas semanas depois, que Roberto Carlos iria gravar não apenas uma, mas as duas canções em seu álbum de 1976. O cantor gostou muito de Pelo avesso e ainda mais de Um jeito estúpido de te amar, que o emocionou assim que ouviu a fita enviada por Milton Carlos - o compositor, aliás, defendia muito bem seus temas, cantando sempre com sentimento e segurança, o que por certo contribuía para a boa aceitação das suas músicas. Até hoje poucas vezes aconteceu isso na discografia de Roberto.





Ele morreu aos 23 anos, na noite de 20 de outubro de 1976, quando vinha de Jundiaí para São Paulo a bordo de seu Passat. Viajava em companhia de sua noiva, a também cantora Mariney Lima e do empresário Genildo de Oliveira. O acidente ocorreu num trecho da via Anhanguera quando o Passat do cantor tentou ultrapassar uma carreta Scania Vabis e bateu em um caminhão Chevrolet. Com o choque, o carro do cantor desgovernou-se e foi colhido pela carreta. Milton Carlos e sua noiva morreram na hora. O empresário Genildo Oliveira, que viajava no banco de trás, teve apenas ferimentos leves, o ajudante do motorista do caminhão, o jovem Mário Alves de Araújo, que desceu para socorrer as vítimas, foi atropelado na pista e também morreu no local.

Sem ainda ser informada da real dimensão do acidente, Isolda foi imediatamente para Jundiaí. Ao parar na porta do hospital, ela ligou o rádio do carro no momento em que Milton Carlos cantava a canção Elas por elas. Logo depois, o locutor informava que o cantor e compositor Milton Carlos havia falecido naquela noite. "Eu abri a porta do carro e corri feito uma louca para a entrada do hospital. Mas aí não sei o que aconteceu, não sei se desmaiei ou se me deram uma injeção, porque eu só acordei no carro do meu tio já chegando em casa."

Mesmo sem o irmão e parceiro, Isolda continuou compondo suas canções para os cantores gravarem. E no ano seguinte entregou a Roberto Carlos uma música que se constituiria num dos maiores sucessos no Brasil, em todos os tempos: Outra vez. Se a música popular brasileira é repleta de musas, a história dessa composição revela a existência de um raro "muso".





Milton Carlos - Discografia Oficial (Incompleta)


Milton Carlos - Samba Quadrado (1975)
Faixas:
01 - Memórias Do Café Nice
02 - Eu Juro Que Te Morreria Minha
03 - Piston De Gafieira
04 - É Mais De Meia Noite
05 - Jogo De Damas
06 - Amanhã É Outro Dia (Participação Especial De Isolda)
07 - Contrasenso
08 - Se Alguém Telefonar
09 - Irônica
10 - Amanheci Chorando Por Você
11 - Foi Ela Um Tema De Amor
12 - Samba Quadrado


Milton Carlos - Largo do boticário (1976)
Faixas:
01 - Largo Do Boticário
02 - Da Janela
03 - Me Mata
04 - Alguém Me Disse
05 - Hora Do Jantar
06 - Elas Por Elas
07 - Dorinha Meu Amor
08 - Último Samba Canção
09 - Uma Valsa, Por Favor
10 - Vexame
11 - Zé Biriba
12 - Um Acalanto


Milton Carlos - Inédito (1977)
Faixas:
01 - Eu E Companhia
02 - Saudade Do Bexiga (Ao Amigo Adoniran Barbosa)
03 - Entre Seis Milhões De Pessoas
04 - Ana Cláudia
05 - Amigos, Amigos
06 - Jogo De Damas
07 - Dados Biográficos
08 - Maria De Tal
09 - Feira De Artesanato
10 - Enredo
11 - Elas Por Elas
12 - Samba Quadrado


Bibliografia e Fontes Consultadas:
Araújo, Paulo César de. Roberto Carlos em Detalhes. São Paulo. Editora Planeta, 2006.
Dicionário da MPB
Wikipédia

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