terça-feira, 4 de novembro de 2014

MONSUETO POR QUEM O CONHECEU

No mês que o artista completaria noventa anos se vivo, Beth Carvalho, Marlene, João Roberto Kelly, Haroldo Costa, Jorge Goulart e Toquinho lembram histórias do sambista

Por Rodrigo Faour



"Monsueto era um gozador, muito brincalhão, estava sempre sorrindo. Nunca o vi sério. Estava sempre muito alegre e fazendo músicas incríveis", atesta Marlene, uma das cantoras que mais lançou músicas de Monsueto, como Mora na Filosofia e O Lamento da Lavadeira. "É uma pessoa que tenho muita saudade. Quando eu trabalhava no Copacabana Palace, ele ia lá toda noite bater papo", continua a cantora que estava preparada em 1954 para gravar o samba "O Couro do Falecido" mas acabou mudando de ideia. "A letra dizia: ‘Um minuto de silencio pro cabrito que morreu/ Se hoje você samba/ É que o couro ele nos deu/ Castiga o couro do falecido (...) Morre um para bem dos outros’. Só que nessa época o presidente Getúlio Vargas se matou. A direção do Copa não deixou que eu cantasse, e ele me deu o Mora na Filosofia, que acabei gravando".

Assim como Marlene, vários de seus colegas artistas – cantores, compositores e produtores – se lembram dele com muita gratidão. O cantor Jorge Goulart, por exemplo, acompanhou de perto sua escalada ao sucesso e lembra de seu bom humor. "Ele formou um conjunto no mesmo estilo do que o Ataulfo Alves tinha, trabalhou muito em boates com Carlos Machado e chegou a viajar também pelo mundo. Era um tipo engraçado. Quase um cômico. Era muito careteiro. Foi um grande compositor, autêntico", depõe.
  
Além de compositor, Monsueto brilhou como ator cômico em filmes, shows de variedades e na televisão. Atuou no cinema trabalhando 14 filmes – onze brasileiros, três argentinos e um italiano. Entre os nacionais, participou de Treze Cadeiras (de Franz Eichhorn), Na Corda Bamba (de Eurides Ramos), O Cantor Milionário e Quem Roubou meu Samba (ambos de José Carlos Burle), mas não chegou ao final das filmagens de O Forte, em 73, vindo a falecer. 

Integrou espetáculos bolados por Herivelto Martins, com o qual viajou para Europa, África e América, e até montar seu próprio grupo, sempre cercado de cabrochas e outros cantores. No palco, entre os anos 50 e 60, no auge de sua carreira como showman na TV, participou de diversos programas como Noites Cariocas, na TV Rio, ganhando o apelido de Comandante por causa de um dos esquetes que criou.

Beth Carvalho também se lembra de tê-lo visto muito na TV, mas não chegou a privar com ele pois em 73, ano em que ele morreu, ela ainda estava gravando seu segundo LP. "Achava ele genial, impecável, um craque. Era um tremendo compositor, criativo. Cometi o pecado de nunca ter gravado suas músicas, mas com certeza ainda vou gravar", diz a sambista, cujo samba preferido do compositor é O Lamento da Lavadeira. "É originalíssima e de cunho social", atesta. Beth também riu muito com seus esquetes em programas de TV. "Ele era cômico, fazia umas blagues, tipo Mussum. Era o Mussum da época". 

Quem também lembra muito bem dessa sua faceta humorística é o compositor João Roberto Kelly. "Ele trabalhou na TV Rio na década de 60 e tive o prazer de tê-lo em quadros musicados por mim, em programas como Praça Onze e O Riso É o Limite", conta. "Monsueto era histriônico. Não era de chegar e fazer um monólogo como ator, ele fazia um tipo com muita graça. Era um crioulo de 1,80m, gordo, grandão com um sorriso maior que o tamanho dele, além de um compositor inspiradíssimo", elogia. Além disso, Kelly diz que era excelente ritmista e baterista. "Ele tocava pandeiro, surdo, reco-reco, chegou a participar de várias gravações como músico de estúdio. Era cantor, ritmista e baterista bissexto. Além de pintor primitivista", completa. De fato, Monsueto começou sua carreira atuando em vários conjuntos na noite carioca, como baterista. Inclusive na Orquestra de Copinha, no Copacabana Palace.

Essa sua face de pintor (que se iniciou em 1965) também é lembrada pelo ator, diretor e produtor Haroldo Costa. "Era uma pessoa muito ativa. Além de formar conjuntos de samba e de atuar em grandes shows e quadros difíceis de humor na TV, era um pintornaïve da melhor qualidade", atesta. De fato, além de tudo, Monsueto passou a pintar quadros no fim da vida. Depois de ganhar de uma amiga um jogo de pincéis e telas, começou a pintar por diletantismo. Curiosamente, deu certo. Eram todas na linha primitivista, com enfoque centrado no folclore, samba, morro e Carnaval – assim como as suas canções. Até o poeta chileno Pablo Neruda comprou um de seus quadros. 

O artista que popularizou expressões como "Castiga", "Vou botar pra jambrar", "Diz", "Mora", "Ziriguidum" gravou muito pouco – um LP e algumas participações. Entrou pela última vez em estúdio para fazer uma participação na divertida A Tonga da Mironga do Kabuletê, ao lado de Toquinho e Vinicius, em 1971, no qual "xingava em nagô" aqueles que naquela época dura não se podia xingar em português. "Monsueto é um dos maiores sambistas brasileiros, com uma linha melódica fantástica, com intervalos africanos, na linha de Batatinha, Benjor e Baden Powell. Era um compositor bem primitivo, simples, mas importante. É ainda muito pouco reconhecido", elogia Toquinho que o convidou para participar da gravação da faixa. "Vivíamos uma fase de censura muito ativa e drástica. Tudo tinha que ser disfarçado. E a Tonga foi importante porque foi uma forma de mandar tudo para aquele lugar numa época em que não se podia fazer isso. Como o Monsueto era uma pessoa muito engraçada, eu e Vinicius o chamamos para fazer um fanho na faixa, que discursava e não dizia absolutamente nada! Falando coisas como se estivesse protestando. Foi muito divertido! Quase que ninguém conseguia gravar porque todo mundo ria muito".

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