sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

MORTO HÁ 42 ANOS, TORQUATO NETO NÃO POSSUI ESPAÇO PARA SUA OBRA NO PIAUÍ

Acervo pessoal do poeta está em Teresina, mas sem um local para abrigá-lo.

Turista carioca se frustrou ao procurar por um espaço sobre Torquato.


Piauiense, Torquato não conta com nenhum espaço dedicado a sua memória 


A carioca Eloísa Lopes, 26 anos, viajou 2.452 km, do Rio de Janeiro para Teresina, para participar de um congresso na capital do estado. Além do compromisso acadêmico, a estudante desejava ir ao local que contasse a história e contivesse a obra de Torquato Neto, o poeta e compositor tropicalista que nasceu na capital do Piauí e morreu há 42 anos. Para seu espanto, não existe na cidade nada parecido com o que buscava.

“Quando viajei para Teresina, com o livro sobre o homem debaixo do braço, quis logo saber tudo o que tinha sobre ele na cidade. Pretendia comprar o (livro) Os últimos dias de paupéria já que no Rio não tinha encontrado. Além de achar que iria encontrar algum espaço com a memória do poeta, com produções, enfim, algum acervo sobre sua vida e obra. Achei estranho quando soube que não havia nada dedicado ao Torquato e fiquei um pouco decepcionada, porque pensei: ‘se eu não acho material sobre este cara na sua cidade natal, onde posso achar’?”, disse a estudante em entrevista especial ao G1 Piauí.

A ironia é que o acervo pessoal sobre a vida e obra de Torquato está em Teresina, com o publicitário George Mendes, primo do artista. O arquivo possui poemas, letras de música, roteiros, discos, livros, postais, dentre uma diversidade de documentos que antes estavam sob a guarda da Ana Duarte, viúva de Torquato. Em 2010, Ana comentou com George o desejo de enviar a terra natal do companheiro o acervo que estava no Rio de Janeiro. Deste então, o zelo e cuidado passou para o primo, que também lamenta a inexistência de um espaço cultural em homenagem ao poeta.

“A expectativa da Eloísa é um sentimento que eu acho que deve ser de muita gente. O Torquato foi, embora com 28 anos de idade, muito importante para a música brasileira, para a Tropicália. A obra dele tem uma qualidade tão impressionante que até hoje desperta o interesse de muitas Eloísas. Em tão pouco tempo, a obra foi construída com vigor tão grande que desperta uma curiosidade impressionante”, declarou George.

Para ele, os 70 anos de Torquato, que serão completados neste ano, poderiam ser comemorados alegremente com a inauguração de um espaço vivo e que também contasse sua história. George idealiza que o presente mais emocionante seria um centro de artes que homenageie o Anjo Torto, possibilitando uma maior valorização dos artistas piauienses. “Um lugar que respirasse cultura, que tivesse espaço de produção, ensaio, exposição, um espaço vivo”, acrescentou o empresário.

“Torquato merece um espaço de arte em Teresina que leve o seu nome, não um museu. Museu não é algo que homenageie Torquato porque o ele não pode ser confundido com algo estático, como uma coisa fossilizada, do passado. O Torquato é presente e futuro, sempre. O Torquato merecia ter um espaço de arte não só ao culto daquilo que ele fez, mas um espaço que fosse vivo com diversas artes. Com isso teríamos uma homenagem ao grande poeta do Piauí”, exclamou George.

Em 2012, dois livros de poesias inéditas escritas por Torquato Neto foram lançados: “O Fato e A Coisa” e "Juvenílias”. Segundo o curador, existem poesias e letras de músicas inéditas, apenas aguardando recurso para serem publicadas. Com o apoio, dois livros de poesias, dois cd’s, um documentário, a criação de um acervo público e um almanaque poderiam ser levados ao conhecimento de todos.

“Se tivermos algum tipo de apoio esse projeto poderá (ser publicado) rapidamente, mas se não tivermos ele andará com o tempo e os recursos que a gente dispuser. Falta interesse, falta acreditarem no projeto e disponibilizar recursos para andar mais rápido”, lamentou George, afirmando que o projeto possui aprovação do regime de incentivos do Ministério da Cultura.


Exposição Torquatália no Artes de Março. (Foto: Paulo Barros/Divulgação)


Homenagens

Apesar da ausência de um espaço específico para contar a vida e a obra do Torquato Neto, algumas homenagens exaltam o grande poeta: o nome de uma sala no Clube dos Diários, um campus da Universidade Estadual do Piauí (Uespi), uma estátua na Central de Artesanato de Teresina, uma rua, duas escolas e um residencial. Neste ano, o Artes de Março, festival de arte e cultura realizado por uma empresa local, trouxe como tema Tropicália, na imagem de Torquato Neto e outros artistas. O evento contou com uma grande exposição sobre o Anjo Torto, organizada pela Ana Duarte e George Mendes, nomeada de Torquatália.


Carioca em Teresina

Com ou sem espaço dedicado ao poeta, Eloisa buscou entender, ao mínimo possível, nos pequenos detalhes espalhados pela cidade da “cajuína cristalina em Teresina” a relação entre Torquato e sua obra. Como homenagem ao grande tropicalista, a carioca rabiscou um poema sobre o que ela viu do Anjo Torto na capital do Piauí.

“Tempo em Teresina passa lento, espaço vagaroso de ocupar conhecimento. Antes de chegar, a fama do calor precedia o lugar. Mas digo, é um calor ameno. Calor de andar por lá vendo tudo devagar. (...) Sobre seus céus, deixo um tópico à parte. Como explicar os céus daquela cidade? (...) As nuvens! Imensas... Bombas atômicas implodindo puro ar pela cidade, num instante estão aqui e no outro, já se diluíram no azul, degradando o céu com brevidade. Teresina tem céu baixo, desejoso de ser tocado. Vai ver por isso ali caiu o anjo torto, vai ver por isso ali caiu Torquato”.

Fonte: G1 PI

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