sábado, 6 de dezembro de 2014

O PODER DAS ONDAS: AS RAINHAS DO RÁDIO - PARTE 01

Por Wagner Tadeu Pietropoli Morais e Luiz Eduardo Alves de Siqueira


Resumo: A introdução da radiodifusão no Brasil, em 1922, revelou, progressivamente, o grande poder do rádio. Uma de suas expressões foram os concursos de Rainha do Rádio, realizados entre 1936 e 1958, estimularam o consumo de revistas, discos, bem como pela formação dos chamados fã-clubes. Seu declínio coincide com a própria urbanização e industrialização do Brasil, com a progressiva perda do prestígio da radiodifusão como divulgadora exclusiva dos sucessos musicais.

Palavras-chave: radiodifusão, indústria cultural, música.


1. Introdução

O centenário da Independência do Brasil, em 1922, foi programado para ser um evento em que se pretendia demonstrar a pujança e o desenvolvimento de nosso País aos olhos do mundo. Manifestando interesse, vários países montaram pavilhões no Rio de Janeiro, então capital da República. A grande atração da festa, porém, foi a introdução da radiofonia no Brasil. Duas estações norte-americanas de pequena potência foram instaladas: a Westinghouse e Western Eletric. Alguns aparelhos receptores foram espalhados em praças públicas, a fim de que a população acompanhasse as transmissões. A novidade, segundo Roquette Pinto (1998), um dos pioneiros do rádio no Brasil, não surtiu maiores efeitos:

A verdade é que durante as solenidades comemorativas de 1922, muito pouca gente se interessou pelas demonstrações então realizadas pelas companhias Westinghouse (Estação do Corcovado) e Western Eletric (Estação da Praia Vermelha). Creio que a causa principal desse desinteresse foram os alto-falantes instalados nas torres do Serviço de Meteorologia (Pavilhão dos Estados). Eram discursos e músicas reproduzidos no meio de um barulho infernal, tudo roufenho, distorcido, arranhando os ouvidos. Era uma curiosidade sem maiores conseqüências. No começo de 1923, desmontava-se a estação do Corcovado e a da Praia Vermelha ia seguir o mesmo destino se o Governo não a comprasse. O Brasil ficaria sem rádio. Eu vivia angustiado porque já tinha a convicção profunda do valor informativo e cultural do sistema, desde que ouvira as transmissões que foram dirigidas na época pelos engenheiros J.C. Stroebel, J. Jonotskoff e Mario Liberalli. Uma andorinha só não faz verão; por isso resolvi interessar no problema a Academia de Ciências, presidida pelo nosso querido mestre Henrique Morize. E foi assim que nasceu a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a 20 de abril de 1923.

A partir daí, aconteceram iniciativas isoladas, principalmente no Rio de Janeiro. Eram os chamados rádios-clubes ou rádios-educadoras, cuja programação era custeada por seus sócios-ouvintes, consistindo, basicamente, em difusão de música erudita e conferências culturais. Recorde-se que até 1932 o governo não autorizava a veiculação de publicidade pelo rádio. 

A própria Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, anos depois, teve sua concessão e bens devolvidos ao governo pelos fundadores, que não conseguiram mais mantê-la apenas com o apoio dos ouvintes (SAROLDI e MOREIRA, 2005, p. 20). Ela se transformaria, em 1936, na Rádio Ministério da Educação e Saúde, atualmente conhecida como Rádio MEC.

Anos antes, em 1932, Getúlio Vargas já criara o Serviço de Radiodifusão Educativa, objetivando ordenar o surgimento de várias emissoras pelo País. Dessa fase pioneira são originárias a Rádio Sociedade (1923), a Rádio Clube do Brasil (1924), a Educadora do Brasil (1926), Mayrink Veiga (1926), Rádio Cruzeiro do Sul (1933) e a Rádio Transmissora Brasileira (1936). Acrescente-se ao grupo a Rádio Philips, de 1930, que “representava os interesses da empresa holandesa fabricante de discos, receptores e transmissores radiofônicos, disposta a entrar no mercado sul-americano” (SAROLDI e MOREIRA, 2005, p. 22). Tal emissora tem especial importância, pois foi por sua compra, por meio da Sociedade Civil Brasileira Rádio Nacional, em 1936, que ela viria a apresentar papel quase monopolístico nas transmissões radiofônicas, de forma mais ou menos parecida com a atuação da Rede Globo na televisão.

Num tempo de um Brasil com boa parte de sua população ainda analfabeta e dado o alcance das então chamadas “ondas hertzianas”, que moldavam a opinião pública em seus vários aspectos, a Rádio Nacional viria, por seu longo alcance – abrangia todo o território nacional e vários países estrangeiros, por meio das ondas curtas – trazer para quase todos os lares as últimas notícias, moldando a opinião pública, vendendo produtos, lançando modas, além de alimentar os sonhos dos ouvintes com a voz de atores e atrizes, astros e estrelas (NOSSO SÉCULO, p. 61). 


2. “Está no ar a PRE-8, Rádio Nacional do Rio de Janeiro”

Ao som da conhecida canção Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense, o locutor anunciava estar no ar a Rádio Nacional. Eram 21h de 12 de setembro de 1936, um sábado. Já mesmo neste ano começou a se diferenciar de suas concorrentes. Reunia alguns dos maiores nomes da música nacional, tais como Orlando Silva, Araci de Almeida e Francisco Alves. Abrigava também os melhores maestros em seu corpo de profissionais, tais como Radamés Gnattali e Romeu Ghipsman. Praticamente introduziu os programas de auditório, com Adhemar Casé e Almirante. Reunia também os melhores locutores , tais como Oduvaldo Cozzi e Heron Domingues. E, finalmente, investia no rádio-teatro, precursor das novelas de rádio, com nomes como Ismênia dos Santos e Rodolfo Mayer. 

Pouco depois, a 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas criava o Estado Novo, outorgando uma nova Constituição ao País. Algumas das conseqüências imediatas foram fechar o Poder Legislativo e amordaçar o Judiciário e a imprensa, por meio de severa censura. Não passara despercebido ao ditador o imenso poder que o rádio poderia desempenhar, e, particularmente, o que a Rádio Nacional já vinha exercendo no País todo.
 
Foi assim que, a 8 de março de 1940 editou o Decreto-lei n. 2.073, que criou as chamadas “Empresas Incorporadas ao Patrimônio da União” (SAROLDI e MOREIRA, 2005, p. 53). Por tal norma, em virtude de dívidas, era incorporado ao patrimônio da União o acervo da Rede Ferroviária São Paulo-Rio Grande e os bens das sociedades “A Noite”, “Rio Editora” e “Rádio Nacional”. Essas últimas, sem passivos que justificassem a medida, eram trazidas para a área do governo por representarem instrumento poderoso de manipulação social, presente, inclusive, na atuação da Rádio Nacional. 

O fato de pertencer à estrutura da União, isto é, de ser “rádio do governo”, fez com que a Nacional se tornasse, efetivamente, nas décadas de 40 e 50 do século passado, a principal emissora dos chamados “anos de ouro do rádio”. A partir dessa injeção maciça de recursos, a programação sofreu incremento ainda maior, e, transmitida ao vivo, passou a operar uma espécie de integração cultural brasileira, ainda que extremamente massificada, criando audaciosos programas, como foi o caso de Um Milhão de Melodias. De fato, o Dicionário Cravo Albin anota que:

Foi líder de audiência praticamente desde a fundação até que o aparecimento da TV ditasse novos rumos para a comunicação no país. Seus programas eram transmitidos diretamente dos muitos estúdios específicos, inclusive do auditório da Rádio, todos localizados nos três últimos andares do edifício "A Noite", Praça Mauá, 7, Rio de Janeiro. Se seus programas de humor, suas radionovelas, seus programas noticiários e os esportivos viraram modelo para muitas outras Rádios do país, foi fundamental também para o desenvolvimento da música popular brasileira.

Particularmente interessa a penetração que teve a Rádio Nacional no que diz respeito à música popular brasileira. Ao lado de poderosas gravadoras de então, tais como Odeon, Columbia, Pharlophon e RCA Victor, ser divulgado ou não poderia ser o sucesso ou o fracasso de muitas carreiras. 

Não se pode esquecer, ainda, do cinema e de vários órgãos de imprensa, que faziam com o que cantor “ouvido” pudesse ser “visto” por todo o Brasil, corporificando a voz que já era transmitida por meio de discos e de programas radiofônicos.

Os fãs-clubes que então surgem são um reflexo popular e, organizados em pequenos grupos ou células, divulgavam material do ídolo, servindo como uma ponte interessante para as gravadoras e para o próprio intérprete, que, por essas agremiações, poderia ter exata noção da própria popularidade, servindo-se delas para a maior aquisição de seus discos. Essas entidades, observam Luiz Carlos Saroldi e Sonia Virgínia Moreira (2005, p. 122), “acompanhavam os seus ídolos em qualquer aparição pública. O auditório da Rádio Nacional era o ponto de encontro preferido dos fãs, mesmo porque era ali, no palco da emissora, que estavam as vozes mais cobiçadas do momento”. 


BIBLIOGRAFIA
BEAKAUFFMANN. Página eletrônica de Beatriz Kauffmann. Disponível em www.beakauffman.com. Acesso em 10 mar.2007. 
DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/verbete.asptabela=T_FORM_C&nome=R%E1dio+Nacional. Acesso em 10 set.2006. 
FERRARO, Alceu Ravanello. Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os 
censos. In: Revista Educação e Sociedade, vol. 23, n. 81, p. 21-47, dez. 2002
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 
NOSSO SÉCULO. São Paulo: Nova Cultural, 1985, vol. 7 (1945-1960, 1a parte). 
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Depoimento in TAVARES, Reinaldo. Histórias que o rádio não contou. 2. ed. São Paulo: Harbra, 1998. 
SAROLDI, Luiz Carlos e MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional. O Brasil em sintonia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

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