segunda-feira, 1 de junho de 2015

O FORRÓ COMO CULTURA POPULAR: DA CELEBRAÇÃO DO POVO AOS CURRÍCULOS ESCOLARES - PARTE 01

Por Silvério Leal Pessoa



RESUMO

Esta pesquisa está voltada para os Estudos Culturais e para área de Didática dos conteúdos específicos. Tem como objetivos investigar a relevância do forró como cultura popular e estruturador da identidade de um povo, e propor a inserção do forró nos temas transversais do currículo escolar. Utilizando de pesquisa bibliográfica, este estudo tem início com a análise dos conceitos de cultura popular e hegemonia. Analisa também o processo de globalização e como as novas tecnologias da comunicação e do mercado, influenciam a adoção de padrões culturais por parte da escola pública diferentes dos padrões culturais dos seus alunos e alunas. O currículo é averiguado como espaço de resistência e que envolve a construção de significados e valores culturais. Entretanto, não é um estudo que vai de encontro ao diálogo cultural, multicultural, pois avalia o conceito de hibridismo vinculado à identidade e subjetividade dos alunos e alunas em constante contato com diversas culturas. Assim, esta pesquisa não parte de uma perspectiva ortodoxa, isolando as culturas, e sim de uma interação e integração cultural averiguando o forró como possível fortalecedor de uma identidade, para daí iniciar o processo de diálogo. Para que essa proposta seja efetivada, o forró e a cultura popular devem ser inseridos como temas transversais do currículo escolar.


PALAVRAS-CHAVE: Cultura popular; forró; Hibridismo; Currículo escolar.


INTRODUÇÃO

O forró, a cultura popular e o currículo escolar têm sido motivo de vários estudos nas últimas décadas, por motivo do impacto que a globalização e a pós-modernidade causaram sobre a identidade de uma região e consequentemente de um povo e de um lugar específico. São vários os conceitos que envolvem o que se comumente denomina-se cultura popular. Seus agentes são geralmente os trabalhadores advindos das classes sociais sacrificadas economicamente e habitantes do interior; Sertão, Agreste e Zona da mata, ou seja, distante dos centros urbanos das capitais. O forró é cultura popular, identifica um povo, e é da classe trabalhadora rural que geralmente surgem os sanfoneiros, zabumbeiros, e as festas que consolidaram o forró como um gênero que aglutina além da música, o ritmo, a indumentária, a culinária, a dança e a literatura de cordel.

É cada vez mais difícil para a cultura popular conseguir ser “bloco de resistência” diante do processo da pós-modernidade e da globalização. Novos fatores influenciam diretamente para que a cultura popular sofra alterações ou ameaças em suas matrizes, por ex: o mundo virtual, as redes sociais, (facebook, Orkut, twitter, myspace) os jogos eletrônicos, as TVs, as antenas parabólicas, e os calendários culturais das cidades, nos quais as expressões artísticas advindas do mundo da cultura popular terminam sendo contempladas como manifestações folclóricas e caricaturadas. Nesse contexto, o forró ocupa um espaço conquistado, histórico, e mesmo com o novo mercado fonográfico priorizando novas maneiras de ouvir músicas, como o iphone, o itunes, o mp3 e o download, o forró continua sendo um referencial para identificar um universo classificado como nordestino, popular, cultural, artístico e folclórico. 

Por outro lado, a escola pública, historicamente vem sendo solicitada pelo sistema econômico vigente para dar conta das transformações sociais que são resultados dos novos modelos de mercado aplicados arbitrariamente pelo capitalismo, tais como o mercado globalizado e o surgimento de novos padrões culturais que chegam às escolas, inclusive através dos alunos que recebem influências desses padrões pela TV, rádio, internet e publicidade. São modelos e padrões que distanciam os alunos de suas origens e matrizes culturais.

Portanto, as novas maneiras de entender a cultura popular e o currículo escolar diante das novas ferramentas tecnológicas, vêm passando por novos estudos, principalmente por teóricos da America Latina, favorecendo assim uma compreensão mais próxima da realidade do Brasil e consequentemente do Nordeste. São os novos desafios da escola pública no Brasil, diante de ferramentas tais como; o orkut, o twitter, o facebook, os sites de música, o mp3 e o download. Tais ferramentas confrontam as tradições com a modernidade e a pós-modernidade, estimulando uma nova forma de modelar o cotidiano das crianças e dos jovens diante de um mundo globalizado. Ao mesmo tempo que provoca reflexões de como a cultura popular e a escola estão entendendo esse novo panorama do mundo atual modernizado e como se “defendem” ou se “hibridizam”. (CANCLINI, 1999, p. 17).

De acordo com o autor (idem, p. 232), a escola e os meios eletrônicos têm sido desde os anos cinqüenta a principal via de acesso aos bens culturais. O conceito de cultura popular antes rígido em sua maneira de preservação e multiplicação, agora passa por reflexões que envolvem novos termos, pois a escola recebe os alunos que trazem novas maneiras de linguagem, de se vestir, de discutir o mundo, e de novas formas de aquisição do conhecimento.

Como saber quando uma disciplina ou um campo do conhecimento mudam? Uma forma de responder é: quando alguns conceitos irrompem com força, deslocam outros ou exigem reformulá-los. Foi isso que aconteceu com o “dicionário” dos estudos culturais. Aqui me proponho a discutir em que sentido se pode afirmar que hibridação é um desses termos detonantes. (CANCLINI, 1989, p. 17)

O que antes era cultura popular, hoje em contato com a diversidade cultural acessada através da internet, TVs, rádios, e das novas formas de deslocamentos dos povos que representam essa diversidade, como os movimentos migratórios de grupos do interior do Nordeste para os grandes centros urbanos, transformou-se em um complexo agrupamento cultural no qual o hibridismo é um novo termo que pode colaborar para entender esse novo momento. Uma cultura híbrida pode ser reconhecida como mantenedora do seu padrão cultural de origem, enquanto dialoga com outras formas de valores e olhares sobre o mundo. O Hibridismo é o diálogo e a combinação entre culturas, e pode acontecer no interior da escola pública quando a cultura do coletivo que frequenta a escola pública se vê diante de novos referenciais culturais. Cabe à escola pública através do currículo escolar, fortalecer a história cultural do coletivo e ao mesmo tempo abrir caminhos para o conhecimento de outras culturas sem perder a matriz original do grupo. É nesse momento que acontece a hibridização.

O forró como cultura popular vem sofrendo a ação da hibridização desde os anos 40, quando o rádio tornou-se veículo da nacionalidade do povo brasileiro, e posteriormente, com o surgimento do mercado das gravadoras e da chegada através das programações das rádios da música que vem de outros mercados, principalmente o norte-americano. Do baião criado por Luiz Gonzaga até os tempos atuais, o forró vem sendo ornamentado com outros elementos que não fizeram parte de sua origem, conquistando ares contemporâneos e resistindo como música de um povo. Os novos elementos que foram absorvidos pelo forró são por ex: as guitarras, os sintetizadores, as novas situações expressadas pelos textos que não apenas a seca, a fome, o gado, o vaqueiro etc.

O forró como cultura popular, o currículo escolar, o novo mercado globalizado, a identidade e a subjetividade, serão os temas tratados nessa pesquisa e o que motivou a realização da mesma é o momento oportuno e adequado de discussão inserido nas academias, escolas, instituições sociais entre os sujeitos diretamente envolvidos com esse universo tais como professores, professoras, lideres de comunidade, gestores culturais e principalmente a classe artística.

O cotidiano da escola pública vai declarar se o padrão contemplado através da prática cotidiana, seja do fazer pedagógico dos professores, seja através da seleção dos livros didáticos, da própria visão conceitual que a escola pública tem de cultura, folclore, tradição, está favorecendo a afirmação da identidade do aluno ou se por outro lado, favorece ao modelo hegemônico de um sistema econômico que assedia a cultura popular observando seus agentes como prováveis consumidores. É a luta de classes encontrada no cotidiano escolar.

Politicamente essa pesquisa observa se a escola pública é uma reprodutora dos modelos econômicos ou se pode ser um espaço de resistência criativa diante desse labirinto pedagógico e cultural. A identidade de um sujeito é o esteio sobre o qual ele forma seu mundo em contato com o mundo dos outros, é a identidade que fortalece o mundo no qual foi construído um referencial de símbolos, imagens e uma vida coletiva, e a escola deve fortalecer e assegurar esse mundo recebido em seus domínios.

Quando a escola pública trabalha um padrão cultural que não está relacionado com o mundo do aluno, trava a relação entre o aluno e a escola. Ao mesmo tempo cria problemas na aprendizagem, efetivando um ato de conflito e contradição. Esse fenômeno acontece no espaço escolar através do livro didático, da prática pedagógica e das matrizes curriculares. É o que veremos também na presente pesquisa.

Para efetivar esse estudo, utilizou-se de análise bibliográfica de autores relacionados à pesquisa com os estudos culturais, educacionais e com o currículo, averiguando os temas no atual panorama de um mundo globalizado e pós-moderno com as inovações das novas tecnologias, optando por autores vinculados à pedagogia crítica.

Esta pesquisa apresenta a partir do segundo capítulo, o conceito de cultura popular relacionado com os movimentos migratórios e o conceito de hegemonia. Relacionando a crise da cultura popular com o surgimento do mundo pós-moderno e do sistema econômico globalizado, afetando diretamente a hereditariedade da cultura popular e questionando o papel da escola pública nesse contexto. Finaliza o capítulo uma reflexão sobre o conceito de “trânsito” de Paulo Freire.

O terceiro capítulo discorre sobre a identidade e a subjetividade, procurando rever os atuais conceitos e as tensões imbricadas na procura pelos significados que camuflam uma luta de classes existente, quando o terreno de tensão é a escola e a abordagem sobre as diferenças.

No quarto capítulo o forró entra em cena. A abordagem esclarece sobre o forró como música popular ou música folclórica, o significado do termo forró e discorre sobre a dança, ritmos e dimensão. Associa o surgimento do forró no contexto dos movimentos migratórios, da expansão do forró através do rádio e registra a criação do baião por Luiz Gonzaga. Ainda nesse capítulo, um enfoque importante reflete sobre o Nordeste contendo uma identidade própria versus o Nordeste estereotipado.

O quinto capítulo é sobre o currículo escolar. O capítulo apresenta o conceito de currículo, o currículo como espaço de resistência, o currículo, o multiculturalismo e a mundialização, a globalização, o conceito de hibridismo, o hibridismo na escola pública e o currículo e a pedagogia critica. Nesse capítulo a pesquisa prepara o terreno conceitual para a proposta registrada no capítulo seguinte.

O sexto capítulo apresenta o forró e a cultura popular como temas transversais ou eixos transversais do currículo. Delineando o que são os temas transversais, é nesse momento que a pesquisa sugere exemplos e possibilidades dos possíveis conteúdos envolvidos na proposição de ter o forró e a cultura popular inseridos no currículo escolar como temas transversais.

Esta pesquisa procura, através de uma abordagem teórica, analisar a relação da cultura popular com a identidade dos alunos e alunas que frequentam a escola pública estadual ou municipal e propor a inserção do forró como cultura popular nos temas transversais do currículo escolar. Investigar a relevância do forró como cultura popular, bem como questionar sobre o que ocorre com as culturas populares, o currículo escolar, a escola pública e a sociedade, frente ao processo da globalização. Por fim, analisar a importância dos estudos sobre cultura popular e refletir, através de proposição, a pertinência do tema forró como um elemento que favorece a melhoria da prática educativa nas escolas públicas fortalecendo a subjetividade e identidade dos alunos, em especial dos filhos e filhas de migrantes nordestinos.


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