quarta-feira, 17 de junho de 2015

O FORRÓ COMO CULTURA POPULAR: DA CELEBRAÇÃO DO POVO AOS CURRÍCULOS ESCOLARES - PARTE 03

Por Silvério Leal Pessoa




RESUMO

Esta pesquisa está voltada para os Estudos Culturais e para área de Didática dos conteúdos específicos. Tem como objetivos investigar a relevância do forró como cultura popular e estruturador da identidade de um povo, e propor a inserção do forró nos temas transversais do currículo escolar. Utilizando de pesquisa bibliográfica, este estudo tem início com a análise dos conceitos de cultura popular e hegemonia. Analisa também o processo de globalização e como as novas tecnologias da comunicação e do mercado, influenciam a adoção de padrões culturais por parte da escola pública diferentes dos padrões culturais dos seus alunos e alunas. O currículo é averiguado como espaço de resistência e que envolve a construção de significados e valores culturais. Entretanto, não é um estudo que vai de encontro ao diálogo cultural, multicultural, pois avalia o conceito de hibridismo vinculado à identidade e subjetividade dos alunos e alunas em constante contato com diversas culturas. Assim, esta pesquisa não parte de uma perspectiva ortodoxa, isolando as culturas, e sim de uma interação e integração cultural averiguando o forró como possível fortalecedor de uma identidade, para daí iniciar o processo de diálogo. Para que essa proposta seja efetivada, o forró e a cultura popular devem ser inseridos como temas transversais do currículo escolar.


PALAVRAS-CHAVE: Cultura popular; forró; Hibridismo; Currículo escolar.´


A identidade em crise: tempos atuais

Existe assim uma crise de identidade entre tradição e modernidade? Cultura popular frente a globalização? Os sujeitos incorporados aos seus hábitos e valores específicos de um coletivo regional, nacional, estão sofrendo com um mercado que experimenta a tentativa de homogeneidade de todas as culturas? padronizando assim as culturas através de um sistema econômico? O filósofo polonês Zygmunt Bauman conta como exemplo sobre identidade, um caso acontecido com ele próprio anos após sair de Varsóvia e desenvolver seus estudos na Grã-Bretanha e que colabora com a compreensão sobre a identidade, surgida com intensos debates e inquietantes dilemas atualmente;


Segundo o antigo costume da Universidade Charles , de Praga, o hino nacional do pais da pessoa que está recebendo o titulo de doutor honoris causa é tocado durante a cerimônia de outorga. Quando chegou a minha vez de receber essa honraria, pediram-me que escolhesse entre os hinos da Grã-Bretanha e da Polônia...Bem, não me foi fácil encontrar a resposta.

A Grã-Bretanha foi o país que escolhi e pelo qual fui escolhido por meio de uma oferta para lecionar, já que eu não poderia permanecer na Polônia, país em que nasci, pois tinha me tirado o direito de ensinar. Mas lá, na Grã-Bretanha, eu era um estrangeiro, um recém-chegado – não fazia muito tempo, um refugiado de outro país, um estranho. Depois disso naturalizei-me britânico, mas, uma vez recém-chegado, será possível abandonar essa condição algum dia? Eu não tinha a intenção de que me confundissem com um Inglês, e meus alunos e colegas jamais tiveram dúvida de que eu era um estrangeiro, mas exatamente um polonês. Esse tácito “acordo de cavalheiros” impediu que a nossa relação viesse a se exacerbar – pelo contrario, fez com que fosse uma relação honesta, tranqüila e, no geral, transparente e amigável. Então talvez devessem tocar o hino polonês? Mas isso também significaria um ato de fingimento: trinta anos antes da cerimônia de Praga eu tinha sido privado de minha cidadania polonesa. Minha exclusão foi oficial, promovida e confirmada pelo poder habilitado a separar quem está “dentro” de quem está “fora”, quem faz parte de quem não faz – e assim eu não tinha direito ao hino nacional polonês...(Bauman 2005 p. 16).

Nesse episódio do filósofo polonês, percebemos o quanto a identidade estrutura um sujeito. Através de um ambiente inserido nos processos políticos, econômicos e sociais, esse sujeito confronta-se com situações binárias para se identificar e assegurar seu equilíbrio como participante de um grupo. Essa identidade pode ser ameaçada no momento em que uma estrutura que organiza um mercado ou uma “visão de mundo”, como o sistema econômico, por exemplo, reelabora um novo padrão. Esse novo padrão é oferecido através de produtos e sistemas de mídia, desenvolvendo um modelo diferente, e estimulando o desejável para esse novo modelo àqueles que têm a sua identidade estruturada através do seu sistema cultural, de sua matriz cultural. Nesse caso, podemos sim assegurar que existe uma crise de identidade.

Para Bauman (2005, p.19), existem situações nas quais pode-se estar deslocado, parcialmente ou totalmente em um lugar, ou em vários lugares diferentes, em situações encontradas nos imigrantes, migrantes, grupos étnicos, quando são vistos como estranhos, diferentes. É uma situação “desconfortável”, inquietante, que pode incluir dependendo da situação, momentos de negociação, angústia, barganha e reação. É o sentir-se estrangeiro. Atualmente no mundo, vários grupos moram onde não nasceram. Não pertencem ao lugar. São pessoas que saem do seu lugar de origem para tentar a vida em outra cidade, em outro Estado, em outro país. Negociam seu trabalho e buscam uma nova vida. Geralmente são pessoas que levam consigo sua cultura e seu padrão cultural ao se deslocarem.

É esse desconforto, esse incômodo, que o aluno e a aluna, filhos e filhas de migrantes advindos do interior e que frequentam a escola pública das cidades, experimentam quando um conhecimento é apresentado na escola distante de sua subjetividade, de sua identidade. E que gera nesse aluno uma situação de incompletude, ou seja, ele tem uma identidade, uma particularidade e não consegue de imediato se reconhecer na maneira ou no conjunto de conhecimentos que são desenvolvidos e que não pertencem ao seu mundo imediato. É um conflito que a escola pública através do currículo escolar pode atenuar, a partir do momento que prioriza conhecimentos e práticas docentes compatíveis com a realidade dos seus alunos.

As “identidades” estão soltas, podem ser de nossa própria escolha, ou podem ser estimuladas pelas pessoas que nos circulam. É preciso estar atento constantemente para que as primeiras sejam defendidas em relação às últimas. (BAUMAN, 2005, p.19). Devemos exercitar essa atual condição do reconhecimento da ambivalência diante de identidades e culturas, e o processo de compreender essa condição, pode gerar momentos menos tensos e dolorosos diante de um mundo que se estreita geograficamente diante do virtual e da pressa. Reconhecer que se estar no processo de mudanças e de deslocamentos é não se sentir plenamente em casa se estando em outro lugar que não seja nosso lugar. (BAUMAN, 2005, idem).

Bauman (ibidem p.35) analisa que a identidade sofre uma crise como elo entre a cultura e o indivíduo, a partir do momento que o Estado fragilizou de livre vontade sua ligação com a nação, resultado de vários processos de mudança, entre eles a globalização. Por isso, com essa separação entre Estado e nação, não mais reconhecidos como protegidos por instituições que dentro do atual sistema econômico buscam por poder, por monopólio, no qual as forças concorrentes se deblateram, as identidades ficaram soltas, perderam seu espaço protegido pelo Estado que se transformou em terreno de negociação por privatização, esquecendo de manter o perfil reconhecedor das identidades do seu núcleo de gestão, o Estado. Cabe agora a cada indivíduo, seja do sexo masculino ou feminino, fisgar a identidade em pleno vôo, utilizando estratégias próprias. São ações próprias que vão fazer com que a escola possa ser acionada pela sociedade e valorizada como espaço que afirma, fortalece as identidades.

Então, órfãos do Estado como monitor de uma identidade local, regional ou nacional, e exposta aos atuais processos do mercado homogênico, a identidade através de seus agentes e só através deles, deposita um crédito às instituições culturais para ter sua histórica matriz assegurada. Caberia à escola e aos seus instrumentos, incluindo aí o currículo escolar, assegurar esse esteio. Não se fechando, valorizando a cultura dos alunos e abrindo diálogos com outras identidades diante dos atuais mecanismos tecnológicos e virtuais. Essa situação provoca conflitos, ansiedades e buscas no processo interno e externo de afirmar a identidade ou entender e interagir com outras. É um dilema.


O anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio um sentimento ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço pouco definido, num lugar teimosamente, perturbadoramente, “nem-um-nem-outro”, torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa dentro de uma infinidade de possibilidades também não é uma perspectiva atraente. Em nossa época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante, desimpedido, é o herói popular, “estar fixo” – ser “identificado” de modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez mais malvisto. (Bauman 2005 p.35).

Assegurar a identidade de um grupo não é fechar-se ao diálogo com as variadas formas de identidade. Nem que essa ação seja feita por uma instituição como a escola, nem mesmo pelo próprio ser humano, que diante de uma ampla rede de conexões multiculturais e multiétnicas, tem pela frente o histórico desafio de conviver com as diferenças. Mas, qual identidade estamos averiguando? A identidade subjetiva do ser humano, coletivo? Para essa proposta de estudos, averiguou-se a identidade nacional, ou a identidade cultural, que tem relação com a identidade que é repassada aos alunos através de conteúdos envolvendo a cultura, a cultura popular, as tradições e o folclore de cada povo.


A identidade e a formação da cultura nacional. A escola entra no cenário

A indagação de HALL (2004, p.47) é pertinente nesse momento. Diz o autor que é no mundo moderno, no qual estão inseridas as culturas nacionais nas quais nascemos, onde está o foco central da identidade cultural, quando dizemos que somos brasileiros, ingleses, japoneses, não quer dizer que essas identidades estão literalmente impressas em nossos gens, trata-se de uma metáfora. Mas nós pensamos nelas como se fizessem parte de nossa natureza essencial. As culturas nacionais estão sendo afetadas pelo processo de globalização. Toda cultura que sofreu invasão, conquista, ou combinação por motivo de guerras, dominação, ou como no atual momento, por causa de inserção de elementos culturais advindos de outras culturas, sofrem instabilidade e entram em um processo de reconhecimento. Ou seja, começam a procurar entender suas origens, de onde vieram, quais são as suas matrizes, refazem sua história.

Ao mesmo tempo a cultura nacional também estabelece padrões e nesses padrões é que estabelece um elemento identificador. É essa característica que chama atenção dos processos modernos, a cultura nacional estabeleceu padrões em diversos âmbitos de atuação coletiva, a alfabetização, a generalização de uma língua vernacular como meio de comunicação em toda nação, gerou uma cultura homogênea, básica, mantendo assim também um sistema educacional nacional. Dessa forma, a cultura nacional criou características, códigos que possibilitou processos de industrialização e transformou-se em um elemento da modernidade. (HALL, 2004, p. 49-50).

A cultura nacional tem assim fundamental importância na formação, estrutura e identificação do seu povo. Ela se organiza através de narrativas e em um conjunto histórico de fatores, vai ornamentando a individualidade dos seus elementos em seu grupo. Quanto às narrativas, HALL (idem, p. 52), apresenta elementos e fatores que formam a cultura nacional, citando a cultura popular, e destaca a narração da nação, como um composto de histórias, panoramas, cenários, caos e fatos, acontecimentos, símbolos e signos, que são as experiências compartilhadas pelo coletivo, não esquecendo dos rituais nacionais, (datas comemorativas, fatos históricos que se transformam em calendário cultural e datas cívicas), tudo como uma experiência compartilhada em torno de perdas, vitórias, conquistas e vivências que dão significado à nação.

A escola precisa se relacionar criticamente sobre os fatores que minam, tornam inseguros a identidade do aluno. Qualquer sistema atual que tenha como objetivo criar um mercado e utiliza a educação escolar como canal de seu ideário para alcançar e multiplicar seus objetivos, deve ser refletido, compreendido e criticado pelos agentes que fazem a escola, inclusive os alunos. É na escola que a tentativa de hegemonia cultural pode ser bloqueado e retrabalhado, no sentido de que pode existir o dialogo entre culturas e não um poder de uma sobre a outra. O terreno fértil para essa discussão e trabalho é exatamente o currículo escolar.


A subjetividade e a Identidade

Subjetividade é o terreno social pelo qual o sujeito estrutura sua identidade e posteriormente através das várias instituições que formam o tecido social, como a família, a escola, a igreja, os sindicatos, vai se formar a sua cultura. Ou melhor, a cultura na qual ele está inserido, resultado de sua classe social, valores, hábitos e expressões. Quanto a subjetividade, e a identidade em um processo intercambiável, Woodward (2000, p. 55), esclarece que existe uma sobreposição entre eles. “Subjetividade” é o conhecimento que temos sobre o nosso eu, nosso mundo “interior”. São os pensamentos, as emoções, os sentimentos, conscientes e inconscientes que formam nosso entendimento sobre “quem somos nós”. É um mundo pessoal, particular. No entanto vivenciamos esse mundo interior inseridos em um contexto social e que através da linguagem e da cultura, oferece significado à experiência que temos de nós e que resulta em uma identidade que adotamos.

Assim, como sujeitos, tomamos posições, optamos, e nessas ações estão constituídas nossa identidade. A linguagem e a cultura são terrenos importantes e necessários para a constituição e consciência de nossa identidade. Linguagem que nos é oferecida pela cultura nacional, percebida e desenvolvida primeiramente no contexto familiar e desdobrada e compreendida no processo escolar. Como também a cultura, que é um desdobramento da cultura nacional, e que através da identidade e da subjetividade nos identificam como sujeitos e que deve ser contemplada também no processo de ensino-aprendizagem. Portanto o conceito de subjetividade nos oferece uma exploração dos sentimentos envolvidos nas diversas etapas de construção da identidade e do investimento pessoal que realizamos em posições particulares de identidade. O conceito de subjetividade nos possibilita explicar as razões através das quais nos apegamos a identidades particulares (idem, p. 56).


Identidade e diferença na escola

Ampliando-se a abordagem que envolve a identidade, e iniciando-se nova reflexão associando a identidade, a diferença e o currículo escolar ao processo de globalização e atuais desafios da educação frente ao mundo moderno, é cada vez mais importante o papel da escola pública na afirmação da identidade do aluno e na interação dessa identidade às outras identidades que formam o ambiente de convivência do cidadão universal. Quando se fala em tolerância às diferenças, quer dizer que essas diferenças convivem em perfeita sintonia? Ou é através do conflito que esses diálogos se realizam? Sendo assim, Silva (2000, p. 73) diz que questões relacionadas ao multiculturalismo e às diferenças são centrais na “teoria educacional critica” e também nas pedagogias oficiais. E “Mesmo que tratadas de forma marginal, como “temas transversais”, essas questões são reconhecidas inclusive pelo oficialismo, como legítimas questões de conhecimento”. Silva (idem). Através da perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade costumam ser vistas de forma natural, cristalizada, e como dados ou fatos da vida em sociedade, deve-se tomar posição. A posição geralmente aceita, em âmbito social, como também pedagogicamente orientada, é de “respeito e tolerância para com a diversidade e a diferença”. (ibdem).

Respeito e tolerância para com a diversidade e a diferença é um caminho que leva ao senso comum, e a naturalizar os prováveis conflitos entre identidade e diferença. No interior da escola, encontra-se esse conflito claramente, no qual as identidades e as diferenças em pleno convívio diante do cotidiano escolar, são confrontadas, mesmo silenciosamente. Como? Através de um padrão cultural que não é coadunado com o padrão cultural dos alunos ou pela matriz curricular, quando não contempla as vivências e as particularidades do seu grupo. Por esse motivo, Silva (ibidem, p.74) indaga como seria a configuração de uma pedagogia e de um currículo que “estivessem centrados não na diversidade, mas na diferença, concebida como processo, uma pedagogia e um currículo que não se limitassem a celebrar a identidade e a diferença, mas que buscassem problematizá-la?” Seria uma pedagogia e um currículo abertos aos debates e reflexões com a comunidade escolar e com a comunidade de alunos e pais na qual está instalada a escola.

Existe um panorama fértil para se discutir os conflitos existentes no interior da escola. Os alunos convivem uns com os outros em um ambiente coletivo, especificamente em escolas públicas, e se defrontam com um conhecimento e uma forma de transmissão desse conhecimento que aborda outros tipos de identidades e diferenças. Um jogo que é estimulado através de políticas educacionais via currículo escolar e fortalecido pelo atual sistema econômico que utiliza além da escola os meios de comunicação oficial e a rede virtual para apresentar outros padrões culturais. Por esse motivo a compreensão desses fatos torna-se fundamental e imprescindível por parte da escola pública.

É o conjunto de particularidades, de subjetividades, que formam um padrão cultural. Segundo Benedict, com relação aos padrões culturais, diz que ninguém pode participar totalmente em qualquer cultura se não tiver sido cultivado dentro das suas maneiras e vivido correspondente com elas; mas todos podem conceder que outras culturas têm, para seus integrantes, o mesmo significado que se reconhecem na sua própria cultura. (2005, p. 49). Se a escola contempla outro padrão que não seja aquele no qual o aluno ou aluna estão inseridos, causa o conflito. Esse conflito alcança os alunos e as alunas através dos conteúdos selecionados e da prática docente diante desses conteúdos contemplados. As diferenças e as identidades não são “elementos” espontaneamente surgidos, não são inatos, não estão aí apenas para serem reveladas e a espera que sejam descobertas. As identidades e as diferenças são resultados de ações, são ativamente realizadas e estruturadas. Nós somos o resultado de uma ação sobre nosso meio social, coletivo, e nesse movimento e interação, construímos nossa identidade. (SILVA, 2000, p.76).

Mantendo uma interdependência, identidade e diferença comungam uma característica; são o resultado de uma criação lingüística. Fator importante para associar a temática da identidade e da diferença com o currículo escolar. A este respeito, Silva (idem.77) afirma que:


Dizer, por sua vez que, identidade e diferença são o resultado de atos de criação lingüística significa dizer que elas são criadas por meio de atos de linguagem. Isto parece uma obviedade. Mas como tendemos a tomá-las como dadas, como “fatos da vida”, com freqüência esquecemos que a identidade e a diferença têm que ser nomeadas. É apenas por meio de atos de fala que instituímos a identidade e a diferença como tais. A definição da identidade brasileira, por exemplo, é o resultado da criação de variados e complexos atos linguísticos que a definem como sendo diferente de outras identidades nacionais.

Nesse contexto, a identidade e a diferença é o resultado de uma relação, de uma interação social. Linguisticamente e discursivamente, isso quer dizer que estão sujeitas a relações de poder e força, pois elas não são simplesmente definidas, elas são resultados de uma imposição cultural. Não convivem em harmonia, lado a lado sem conflitos e sem hierarquia, elas são resultados de disputas. (SILVA, ibidem).

Silva, (ibidem, p. 81), analisa as relações entre identidade, diferença e relações de poder, pois nessas relações, encontraremos os prováveis fatores que estabelecem relação de poder no interior do currículo em relação à cultura popular e às identidades dos alunos. Conforme o autor, a definição de identidade e de diferença não é apenas objeto de disputa entre grupos sociais posicionados diferentemente em relação ao poder. Essa disputa envolve outros recursos simbólicos e materiais da sociedade. Essa disputa traduz o desejo dos diferentes grupos de garantir o acesso aos bens sociais. Acesso privilegiado. A identidade e a diferença não são inocentes e segundo o autor, estão conectados com relações de poder.

Existe uma dinâmica na qual está inserida a identidade e sua necessidade de fixação, ao mesmo tempo existe a “impossibilidade” como algo que a identidade por estar em um contexto móvel e em um fluxo constante de mudanças, sofre sua “não fixação”. São dois movimentos nos quais o processo de identidade oscila: o primeiro são aqueles processos que tendem a fixar e a tornar a identidade estável. O outro movimento tendem a subvertê-la e a torná-la instável. Tadeu da Silva (ibidem, p.84), associa esses movimentos da identidade à linguagem, a identidade tende a fixação, porém como acontece com a linguagem, a identidade está sempre escapando. “A fixação é uma tendência e, ao mesmo tempo, uma impossibilidade” (ibidem)

Abordando oportunamente a representação, e constatando que a representação é fundamental para a constituição das identidades, e que as diferenças e identidades estão associadas aos sistemas de representação, Tadeu da Silva (2000, p.91) diz que a representação pode se expressar através de uma pintura, fotografia, filme, de um texto, etc. E que nessa concepção a representação é algo visível, exterior e nunca algo pertencente a representação mental, interior.

A representação tem ligação com a relação de poder, e sendo assim, a compreensão de sua atuação nos vários sistemas sociais, determina sua atuação também na esfera pedagógica e curricular. É através das diferenças, das identidades e dos sistemas de representação que a tensão entre os conteúdos e os alunos chegam até a escola e se estabelece de maneira conflitiva ou silenciosa. “Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar identidades” , por esse motivo a representação ocupa lugar de destaque na teorização atual sobre identidade e nos movimentos sociais ligados à identidade. Quando se questiona a identidade e a diferença, se questiona também os sistemas de representação que lhe dão suporte e esteio. É a critica de como são representadas as identidades e as diferenças. (SILVA, 2000, idem).

As implicações pedagógicas e curriculares são evidentes quando a representação estabelece relações de poder e alcança a escola através de símbolos, signos, e marcas materiais. Por isso;


Não é difícil perceber as implicações pedagógicas e curriculares dessas conexões entre identidade e representação. A pedagogia e o currículo deveriam ser capazes de oferecer oportunidades para que as crianças e os/as jovens desenvolvessem capacidades de critica e questionamentos dos sistemas e das formas dominantes de representação da identidade e da diferença. (SILVA, 2000, p. 91-92).

Constatando que as relações de poder entre identidade, cultura, cultura popular, escola e currículo, existem e resultam em momentos conflitivos, como tudo isso seria traduzido em termos de currículo e pedagogia? Nossa própria identidade é sempre confrontada e questionada quando nos defrontamos com o outro cultural, consequentemente a identidade, a diferença e o outro, é um problema social, portanto são questões do campo pedagógico curricular. Tadeu da Silva (2000, p.97) diz que “É um problema social porque, em um mundo heterogêneo, o encontro com o outro, com o estranho, com o diferente, é inevitável” (SILVA, 2000, p. 91-92). E quanto ao problema pedagógico e curricular;


É um problema pedagógico e curricular não apenas porque as crianças e os jovens, em uma sociedade atravessada pela diferença, forçosamente interagem com o outro no próprio espaço da escola, mas também porque a questão do outro e da diferença não pode deixar de ser matéria de preocupação pedagógica e curricular. (SILVA, 2000, p. 97).

autor apresenta então 4 estratégias de abordagem das diferenças no interior da escola comprovando que “mesmo que explicitamente ignorado e reprimido, a volta do outro, do diferente, é inevitável, explodindo em conflitos, confrontos, hostilidades e até mesmo violência” (SILVA, 2000, p. 97). Vejamos então essas 4 estratégias de abordagem:

1- Estratégia pedagógica Liberal – consistiria em estimular e cultivar os bons sentimentos e a boa vontade para com a chamada “diversidade” cultural. Nesse caso, o pressuposto básico é o de que a “natureza” humana tem uma variedade de formas legítimas de se expressar culturalmente e todas devem ser respeitadas ou toleradas. (SILVA, 2000, p. 98).

E no campo pedagógico, campo fundamental para o estudo sobre diferenças culturais e currículo, nessa estratégia, pedagogicamente as crianças e os jovens nas escolas, seriam motivadas a entrar em contato de diversas maneiras, com as mais diversas expressões culturais dos diferentes grupos culturais. Isso se daria pelos conteúdos e pela prática docente que estimulariam o diálogo e o conhecimento das diversas culturas, principalmente pelos livros didáticos.

O resultado dessa ótica estratégica sobre as diferenças e as culturas diversas, termina sendo a produção de novas dicotomias, novos pontos de tensão, uma vez que surge o dominante tolerante e o dominado tolerado ou da identidade hegemônica mais benevolente e da identidade subalterna mais “respeitada”. (SILVA, 2000, p.idem, idem) Nesse ambiente as relações de poder continuam estabelecidas, porém, acrescidas de um olhar tolerante, conformação diante da diferença, ou angústia diante da relação de poder camuflada sob o manto da aceitação. O dominante tolerante tem consciência do seu poder e para essa relação, sua postura termina sendo de benevolência. O dominado tolerado também tem consciência da sua situação, embora pela própria situação desfavorável, cala-se e tenta interagir com o “outro”. Admitindo, porém, seu “lugar”.

Na segunda estratégia delineada pelo teórico, percebe-se uma situação vinculada à psicologia, e a psicopedagogia, uma vez que os problemas decorrentes desse olhar estratégico sobre as diferenças são vistos como sentimentos de discriminação.

Essa ação coloca em “tratamento” os alunos que são encaminhados para serviços psicológicos ou de psicopedagogia. O que diz a segunda estratégia de abordagem:


2- Uma segunda estratégia, que poderíamos chamar de “terapêutica”, também aceita, liberalmente, que a diversidade é “natural” e boa, mas atribui a rejeição da diferença e do outro a distúrbios psicológicos. Para essa perspectiva, a incapacidade de conviver com a diferença é fruto de sentimentos de discriminação, de preconceitos, de crenças distorcidas e de estereótipos, isto é, de imagens do outro que são fundamentalmente errôneas. (SILVA, 2000, p. 98).

Portanto, para esse comportamento de rejeição da diferença do outro, e classificado como desvio de conduta, a pedagogia e o currículo estabeleceriam “atividades, exercícios e processos de conscientização” que levassem os alunos e as alunas a mudar sua atitude. Nessa abordagem, a discriminação e o preconceito são atitudes psicológicas inadequadas, inapropriadas e devem ser encaminhadas a um tratamento para as devidas correções.

A escola não pode esconder nem negar aos alunos uma discussão acompanhada de uma reflexão sobre o que envolve as diferenças culturais, bem como tem que se preparar para enfrentar um mundo cada vez mais heterogêneo e cercado de padrões culturais diferentes. Deve enfrentar um padrão cultural apresentado à comunidade escolar advindo dos meios de comunicação e das estratégias da moda e do mercado globalizado com uma atitude e uma proposta de diálogo e não incorporar esse padrão ao cotidiano escolar, incluindo as formas de abordagem dos conteúdos e a seleção dos próprios conteúdos a partir do currículo escolar. Nesse contexto o autor continua exemplificando as demais estratégias com relação às diferenças;


3- Em algum lugar intermediário entre essas duas abordagens, situa-se a estratégia talvez mais comumente adotada na rotina pedagógica e curricular das escolas, que consiste em apresentar aos estudantes e ás estudantes uma visão superficial e distante das diferenças culturais. Aqui o outro aparece sob a rubrica do curioso e do exótico. (SILVA, 2000, p. 99).

É exatamente nessa abordagem do autor, que o currículo escolar pode fortalecer ou não a cultura local, a identidade, a subjetividade e a representação social de um grupo social. A partir do momento em que a escola trabalha temas da cultura popular mostrados como exotismo e folclore, vinculados às datas do calendário cultural de cada país, Estado ou cidade, está corroborando o padrão cultural estabelecido por relações de poder que apresentam uma proposta através do processo moderno de comunicação (internet, TVs, programação de rádios, publicidade) objetivando a homogeneidade. Caso a escola fortaleça o padrão cultural dos alunos e das alunas que frequentam a escola, ela estabelece primeiro uma saudável relação entre os próprios alunos e alunas e sua identidade, e ao mesmo tempo estimula o diálogo e compreensão das culturas diferentes, equalizando os conflitos não só no interior da escola, como também dos conteúdos apresentados.

Apresentando a quarta abordagem e ao mesmo tempo abrindo um núcleo de reflexão sobre como o planejamento de um currículo deve abordar as diferenças, demonstra o teórico.


4- Finalmente gostaria de argumentar em favor de uma estratégia pedagógica e curricular de abordagem da identidade e da diferença que levasse em conta precisamente as contribuições da teoria cultural recente, sobretudo aquela de inspiração pós-estruturalista. Nessa abordagem, a pedagogia e o currículo tratariam a identidade e a diferença como questões de política. Em seu centro, estaria uma discussão da identidade e da diferença como produção. A pergunta crucial a guiar o planejamento de um currículo e de uma pedagogia da diferença seria: como a identidade e a diferença são produzidas? Quais os mecanismos e as instituições que estão ativamente envolvidos na criação da identidade e de sua fixação? (SILVA, 2000, p. 99).

Essas são em linhas gerais o que a teoria educacional crítica apresenta sobre um currículo e uma pedagogia da diferença e da identidade. Não apenas tolerar e respeitar o outro, mas questionar as relações de poder que estruturam essas diferenças e identidades. É nesse campo que o currículo deve ser refletido, questionado. Como a cultura popular está sendo inserida nos diversos conteúdos curriculares, se o agrupamento de conteúdos curriculares atendem a um padrão cultural que resulta em tensão com o padrão cultural dos alunos da escola, e como elementos da cultura popular, como o forró, pode colaborar nas relações entre ensino e aprendizagem, favorecendo a afirmação da subjetividade, da identidade dos alunos e alunas e abrindo uma discussão sobre diferenças, representação, padrão cultural e mundo pós-moderno.




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