quarta-feira, 2 de setembro de 2015

JOVENS APAIXONADOS PELA SANFONA IMPULSIONAM CARREIRA ALÉM DO FORRÓ

Músicos baianos se apaixonam pelo instrumento de ícones como Sivuca e Hermeto e se arriscam também bossa nova


Por Ana Clara Brant 



Juazeiro (BA) – No primeiro Festival Internacional da Sanfona, realizado em 2009, em Juazeiro, no Vale do São Francisco, a 500 km de Salvador, a revelação foi o então menino Daniel Itabaiana, de 13 anos. Apesar de seu sobrenome se referir à cidade paraibana onde Sivuca, um dos maiores mestres sanfoneiros nasceu, o garoto é um legítimo juazeirense. E já se tornou um orgulho da terra onde brotou o mestre João Gilberto e talentos da música brasileira, como Ivete Sangalo e Galvão, dos Novos Baianos.

O primeiro contato de Daniel com a sanfona foi quando ele tinha por volta de 4 anos e ouviu uma gravação de Luiz Gonzaga numa fita cassete. Apaixonou-se pelo som do instrumento, mesmo sem identificar qual era. “Só fui saber o que era uma sanfona de verdade algum tempo depois, quando vi o Marcone, da dupla com o Bruno, tocando. Aí que liguei o nome à sonoridade”, conta.

Inicialmente, Daniel tocou bateria – improvisada com latas de leite ninho, pratos e panelas – e depois passou para o violão. Mas ele queria mesmo era o acordeon.“A sanfona que eu queria era maior do que eu na época. Minha mãe reclamou e falou que ia me dar uma adequada ao meu tamanho, já que eu tinha apenas 7 anos”, recorda. Dali em diante não parou mais, apresentando-se na escola e em clubes. À medida que o menino ia crescendo, a sanfona também cresceu, assim como a repercussão do seu trabalho.

Hoje, Daniel Itabaiana toca de Luiz Gonzaga a Mozart e foi uma das atrações da 3ª edição do Festival Internacional da Sanfona, que termina neste sábado com um grande show na beira do Rio São Francisco, com atrações como Elba Ramalho e os sanfoneiros Targino Gondim, Raimundinho do acordeon, Alexander Hrustevich (Ucrânia) e Nathanael Sousa (Portugal). “Quero ser sanfoneiro e médico, especializado em cardiologia e cirurgia. Vou cuidar do coração das pessoas através da música e da medicina”, diz ele.


BOSSA NOVA

Outra cria do Festival da Sanfona é o conterrâneo de Daniel, Silas França, também de 19 anos. A primeira vez que viu uma sanfona foi justamente na primeira edição do evento, há seis anos, num show de Dominguinhos com Glória Gadelha. “Meu olho até brilhou. Foi amor à primeira vista. Até hoje tento entender por que esse instrumento me fascinou tanto”, diz.

Ao fim da apresentação, Silas pediu ao pai, Jaaziel Barbosa, 45, uma sanfona. Mas ele acabou dando ao filho um teclado, achando que o garoto iria se contentar. “Não teve jeito. Ele até tocou um pouco, só para não me desagradar, mas o negócio do Silas era a sanfona mesmo”, comenta Jaaziel. Com três meses apenas dedilhando o acordeon, o garoto já sabia tocar e era questão de tempo para subir no palco. Atualmente, ele faz shows na região e em outros estados nordestinos, focando não só no forró, baião e afins, mas também na bossa nova.

Na apresentação que fez nesta terceira edição do festival, ele homenageou Dominguinhos e o filho mais ilustre de Juazeiro, João Gilberto, com clássicos eternizados pelo cantor baiano como Wave e Chega de saudade. “Eu namoro a sanfona, mas paquero o violão. Sou muito fã do João e de todos os artistas da bossa nova. Enfim, meu coração pertence à música”, resume.


PÚBLICO

Iniciado na última terça-feira, o 3º Festival Internacional da Sanfona tem recebido um bom público em todos os dias do evento. A maioria das atrações se concentra no teatro do Centro de Cultura João Gilberto, que tem capacidade para 370 pessoas. O espaço lotou todas as noites, desde a abertura. A expectativa dos organizadores para o show de encerramento, ao ar livre, hoje, é reunir um público de 50 mil.

“Acho que o fato de este ano o festival ser realizado em julho – as edições anteriores ocorreram em março e novembro –, que é um período de férias e ainda coincide com o aniversário de Juazeiro, ajudou no crescimento do público. Gente daqui e de fora se envolveu mesmo”, diz o curador do evento, Targino Gondim.

O casal Geovanna, de 47 anos, e Rosildo Cerqueira, de 48, veio de Teresina, no Piauí, para conhecer Juazeiro e Petrolina (PE), onde também são realizadas atividades do Festival da Sanfona, e aproveitou para curtir as atrações do evento. “Que nordestino e que brasileiro não gosta de uma sanfona? E o bacana é que os artistas tocam de tudo: forró, jazz, choro, erudito”, entusiasmou-se Rosildo. Os filhos da terra também prestigiaram. Dona Lucinda dos Santos, de 69, acompanhou as duas primeiras edições do festival (2009 e 2010) e nesta terceira levou o neto Luiz Vieira, de 11. “Música boa, de graça e com esse clima de festa só quem é lesado que perde”, disse a dona de casa juazeirense.


João Gilberto

O Centro de Cultura João Gilberto abriga boa parte das atividades do Festival da Sanfona. Reza a lenda que o artista baiano, pai da bossa nova, apareceu de madrugada certa vez para conhecer o espaço batizado em sua homenagem. Mas deu com a cara na porta. O porteiro teria dito ao juazeirense mais ilustre: “Estamos fechados. Volte em horário comercial”. Segundo os moradores de Juazeiro, quando visita sua terra natal, onde ainda tem parentes, João costuma se encontrar com a família e os velhos amigos nas altas horas da noite, para não chamar a atenção. A casa em que o cantor nasceu, localizada na praça da matriz, foi alugada há quase 20 anos pela família para ser sede da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola. No local, há apenas uma placa alusiva a João: “Nesta casa, o músico João Gilberto inventou a bossa nova para o Brasil”.

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