quinta-feira, 6 de outubro de 2016

MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA

Imprescindível para a história da artista, "Fa-tal" completa 45 anos mais atual do que nunca

Por Luiz Américo Lisboa Junior


Gal Costa - Gal fa-tal a todo vapor (1971)


Desde a invenção da fotografia que o registro de nossos melhores momentos passaram a ter uma memória visual, com o surgimento dos processos de gravação de sons e depois com o cinema registramos também nossas vozes e imagens. Muitos acontecimentos históricos passaram a posteridade a partir dessas invenções e seus aprimoramentos ao longo dos últimos dois séculos possibilitaram a humanidade poder ter uma referencia mais exata de seu passado fazendo uma releitura de sua história com mais precisão.

No campo da vida privada as famílias registraram suas memórias afetivas podendo-se também se ter uma idéia do desenvolvimento de hábitos e costumes mundanos avaliando-se dessa maneira as mudanças de comportamento ocorridas no ambiente doméstico e conseqüentemente na sociedade em geral.

Nesse contexto as atividades artísticas foram talvez as mais documentadas formando um patrimônio incalculável onde se pode observar com a devida distancia do tempo as grandes modificações que seus representantes impuseram ao progresso e desenvolvimento das relações humanas. Momentos históricos que muitas vezes poderiam passar despercebidos foram captados pela lente atenta de um fotografo e um cinegrafista amador ou profissional. Hoje com o advento dos DVDs e com a digitalização e restauração de imagens e sons podemos ter acesso a toda uma memória global com uma qualidade espantosa e o que é mais impressionante, num simples click de computador, trazer para nossos lares um pouco do que o homem produziu e documentou ao longo de quase dois séculos de existência.

A música em particular com o surgimento do fonógrafo e posteriormente com as gravações em disco de cera foi a atividade artística que mais registros produziu e assim pôde através do áudio contar e cantar um pouco a sua história.

Graças a toda essa tecnologia que podemos ouvir por exemplo um show de Gal Costa realizado no Teatro Tereza Raquel no Rio de Janeiro em 1971. Lançado na ocasião em disco logo se tornou um recordista de vendas. Intitulado Gal Fa-tal a todo vapor, o espetáculo trazia todo o intimismo da artista apresentando-se em alguns momentos basicamente com seu violão e em outros com toda a exuberância de sua voz em interpretações fortes e definitivas. Marco de uma época de grandes contestações políticas o disco foi lançado em meio a perseguições de toda ordem ao mundo artístico e com Caetano e Gil ainda no exílio londrino.

Com um repertório que misturava rock, o som tropicalista, blues e samba ele traduz com perfeição o que se processava de novo na musica brasileira e como os intérpretes da época reviam ícones do passado. No caso de Gal ela passeava desde o samba tradicional de Geraldo Pereira, em Falsa baiana , até Ismael Silva, interpretando de modo magistral, talvez ate hoje inigualada, o samba canção Antonico . Mas o caldeirão de influencias é mais vasto ainda quando percebemos que ela não se deixa levar pelas críticas a alienação da Jovem Guarda e canta Sua estupidez , de Roberto e Erasmo Carlos.

Porém o momento mais importante desse disco/show de Gal Costa é o olhar que ela teve ao perceber uma nova geração de talentosos compositores que surgiam interpretando canções de Luiz Melodia, Perola Negra ; Moraes Moreira e Galvão, Dê um role , cujos versos iniciais, “não se assuste pessoa se eu lhe disser que a vida é boa” dá uma boa idéia do que rolava na cabeça dos ainda não famosos Novos Baianos; Jards Macalé em Vapor barato e Mal secreto , com Wally Salomão, e em Hotel das estrelas com Duda e Luz do sol de Carlos Pinto e Wally Salomão. Nessa mistura pós-tropicalista ainda tinham espaço, Asa branca de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, Bota as mãos nas cadeiras e Futa gogóia , do folclore baiano, Jorge Benjor com Charles anjo 45 e Caetano Veloso emComo 2 e 2 , Maria Bethânia , Não se esqueça de mim e Coração vagabundo .

Lançado como álbum duplo esse disco de Gal Costa, já disponível em CD, insere-se como um dos mais importantes de sua carreira pois representa a síntese de como ela via a musica popular naquela época protagonizando a sua história pessoal e da nossa canção, além de ser um marco revelador de compositores que seguiriam trajetórias diversas com muito brilho na musica brasileira.

No entanto o que mais sobressai e que faz com este disco com suas eventuais falhas técnicas de gravação características da precariedade dos registros ao vivo daquela época se tornem menores, é o enorme talento de Gal Costa, uma baiana tímida que com sua voz doce/suave/forte/arrebatadora/sensual conquistou os palcos do Brasil e do mundo, construiu uma das mais importantes e sólidas carreiras artísticas do país, renovando-se sempre e mantendo ainda hoje com seus festejados 60 anos a mesma qualidade vocal/interpretativa que lhe deu sem nenhum exagero o título de uma das mais importantes cantoras de toda a história da música popular brasileira e que esperamos continue assim por muitos anos, dando-nos o privilégio de ouvi-la sempre como uma cotovia que com seu belo canto faz desse país de tantos desencantos ainda divino maravilhoso.

Músicas: 
01 - Dê um role (Galvão - Moraes Moreira)
02 - Pérola negra (Luiz Melodia)
03 - Mal secreto (Jards Macalé - Waly Salomão)
04 - Como 2 e 2 (Caetano Veloso)
05 - Hotel das estrelas (Duda - Jards Macalé)
06 - Assum preto (Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira)
07 - Bota as mãos nas cadeiras (Folclore baiano)
08 - Maria Bethânia (Caetano Veloso)
09 - Não se esqueça de mim (Caetano Veloso)
10 - Luz do sol (Carlos Pinto - Waly Salomão)
11 - Fruta gogóia (Folclore baiano)
12 - Charles anjo 45 (Jorge Benjor)
13 - Como 2 e 2 (Caetano Veloso)
14 - Coração vagabundo (Caetano Veloso)
15 - Falsa baiana (Geraldo Pereira)
16 - Antonico (Ismael Silva)
17 - Sua estupidez (Roberto Carlos - Erasmo Carlos)
18 - Fruta gogóia (Folclore baiano)
19 - Vapor barato (Jards Macalé - Waly Salomão)

Ficha Técnica
Gravadora: Phlips do Brasil
Direção de produção: Roberto Menescal
Direção de estúdio: Roberto Menescal
Técnico de gravação: Jorge Karan (Gravação ao vivo)
Assistente de produção (Paulo Lima)
Arranjos: Lanny
Capa: Luciano Figueiredo/Oscar Ramos
Fotógrafos: Edison Santos/Ivan Cardoso
Palavras-destaque: Wally Salomão

Ficha Técnica do Show 
Direção musical e guitarra: Lanny Gordin
Novelli: Baixo
Jorginho: Bateria
Baixinho: Tumba
Cenário: Luciano Figueiredo/Oscar Ramos
Direção geral: Waly Salomão
Produção: Paulo Lima

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