quarta-feira, 2 de agosto de 2017

CANTANDO A HISTÓRIA DA MÚSICA CONTEMPORÂNEA MARANHENSE – PARTE 01

TÔRRES, Antonia Márcia Sousa, professora de psicologia da educação
da Universidade Estadual do Maranhão - UEMA,
psicóloga, artista popular e mestranda
em educação pela Universidade Federal Fluminense – UFF (RJ) 


RESUMO: A história da música contemporânea maranhense é fortemente marcada pela influência das culturas indígena, africana e portuguesa. Suas composições retratam as influências da riqueza rítmica e histórica da cultura popular da música tradicional. Nosso texto discutirá a história da música popular produzida no Maranhão na contemporaneidade, tendo iniciada no final da década de 60 com a canção “Gabriela” de Chico Maranhão, defendida pelo próprio, no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967, há 40 anos, portanto. Ele, que conviveu com Chico Buarque, Renato Teixeira e João do Vale, quando morou em São Paulo nos anos de 60, onde cursou arquitetura, voltou para São Luis nos anos 70. Nos anos de 70 surgiram outros compositores importantes que viviam no contexto “provinciano”, César Teixeira, Josias Sobrinho e Sérgio Habibe. Na década seguinte, diversos compositores apareceram para dar continuidade ao trabalho dos pioneiros da moderna música do Maranhão, entre os quais, César Nascimento, Gerude, Célia Leite e Zeca Baleiro. Ele e Rita Ribeiro sedimentaram um trabalho de molde cosmopolita, sem esquecer elementos rítmicos locais, como o bumba-meu-boi, o tambor de crioula, o tambor de mina e o divino espírito santo.

Palavras-chave: Música maranhense; história; contemporaneidade. 



1 – Introdução: Considera-se um desafio escrever/falar da história da música maranhense, uma vez que não se tem bibliografia que registre tamanha riqueza histórica, cultural e científica. E principalmente sobre a história da música produzida na contemporaneidade, momento em que se pretende desenvolver/discorrer neste texto. A idéia surgiu a partir de um convite feito por uma professora da UFF, coordenadora deste Evento (VI Congresso Nacional de História da Mídia), Ana Bauw, que numa carona ao nos apresentarmos, a mesma elogiou a beleza e a cultura do Maranhão, meu estado de origem. Falamos da riqueza musical, da mídia e, da Rádio Universidade FM, a qual ela teve a oportunidade de conhecê-la, quando ministrou uma palestra sobre rádio na Universidade Federal do Maranhão – UFMA. E na conversa, ela me perguntou o que eu fazia e ao listar minhas atividades, mencionei então que também era artista popular e dançava no Tambor de Crioula de Mestre Felipe e cantava numa banda em São Luis, Xaxados e Perdidos. Imediatamente o convite inicial foi então feito, para que eu apresentasse “alguma coisa” sobre a cultura maranhense no evento. Pensei que fosse pra cantar ou dançar. Engano meu, aqui estou, tentando escrever este texto.

Falar e cantar sobre/a musica maranhense dá-me muito prazer e torna-se tarefa fácil já que nasci e me criei naquela cultura, dançando e cantando, desde muito pequena nas comemorações escolar, religiosa e festiva de minha cidade natal Colinas, interior do estado. Escrever sobre a história da música maranhense é-me difícil, por não termos registros escritos o suficiente, sobre o assunto. A nossa pesquisa se deu a partir de conversas por telefone com amigos apaixonados como eu pelo assunto, jornalistas e 1 músicos, produtores também daquela/dessa cultura, assim como de pesquisa feita no site sobre o perfil cultural maranhense, registro mais atualizado sobre o assunto e principalmente resgatando a minha memória, o que vivi e ouvi nos últimos trinta anos. O “Perfil Cultural e Artístico do Maranhão”, é um projeto realizado em 2006 pela Associação de Apoio à Música e à Arte do Maranhão – AMARTE, em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce – CVRD, “tendo por objetivo resgatar e documentar as tradições culturais e artísticas do estado”. O projeto abrange site na internet, dois livros, CD-ROM e Documentário em DVD, apresentando diversas áreas como arquitetura, artesanato, artes cênicas, artes plásticas, culinária, cultura popular, literatura e música. O trabalho foi produzido por consultores convidados e profissionais especializados nas diversas áreas. Também pesquisamos textos de outros profissionais e sites de jornais maranhenses. Sobre a área da música, seu consultor responsável é o cantor e compositor Josias Sobrinho.


2 – A música popular maranhense

Possuímos uma tradição vasta de compositores eruditos, clérigos e abastardos com influências europeias que se dedicavam à arte da música por todo o território maranhense. Onde, nas festas de padroeiros nas comunidades e comemorações familiares praticavam a musica e a dança. Junto a esses instrumentistas, cruzavam-se com os ritmos das raças européia e africana, de negros que quando de sua libertação agruparam-se em quilombos por todo o território maranhense dando origem à riqueza e a autenticidade daquela cultura, hoje tendo a maior parte de sua população, então, negra.

A música popular criada no Maranhão até a década de 60 é influenciada pela cultura dos grandes centros transmitidos por partituras vindas do sul e depois radiofônicas, discos de vinil quando de sua popularização e em seguida pela televisão. Vale registrar que as transmissões radiofônicas foram as de maior influencia no que se refere à inspiração dos compositores. Todos, em entrevistas, relembram a grande influência e envolvimento na música ouvida no rádio em suas histórias de vida, antes da popularização dos discos de vinil e da televisão. Seus estilos mais recorrentes são a valsa, o samba e o choro, além de polcas e xotes.

Segundo o Josias Sobrinho, foi a partir dos anos 60 e 70, que se evidencia o processo de afirmação de valores da cultura popular maranhense. Uma vez derrotadas as perseguições policiais às manifestações da cultura afro-descendente, o bumba-meu-boi obtém carta de alforria par transitar pelo centro da cidade de São Luis e cresce o interesse das classes mais abastardas pelas brincadeiras dos pobres e incultos. Prossegue à realização dos primeiros festivais de música e à gravação do disco Bandeira de Aço, soma-se um crescente anseio nacional de dar vasão a um enorme manancial de formas e estilos musicais por todo o país.

O próprio tempo se encarrega do processo de desenvolvimento dessa história. A diversidade musical e principalmente rítmica é tamanha, descobre-se então a beleza dos vários sotaques (estilo rítmico-musical) do bumba-meu-boi, do tambor de crioula, ambos conhecidos nacionalmente como as maiores riquezas rítmicas e culturais do Maranhão, este último oficializado em 2007 pelo IPHAN como patrimônio cultural e imaterial da humanidade. Além da sensualidade nos temas do cacuriá e da dança do caroço, o esplendor e magnificência na Festa do Divino Espírito Santo, a particularidade dos blocos tradicionais, o samba dos Fuzileiros da Fuzarca, a lírica da dança do lelê, o baralho, o coco, a tribo de índio, o tambor de mina, o terecô, o baião cruzado, a mina jeje, validando ao lado do samba das escolas, do merengue, das radiolas de reggae, do hip hop, do rap, do rock, das baladas, do brega, do sertanejo, do choro e do baião.

Nos anos 70 surge o termo “musica popular maranhense”, rótulo aplicado à espécie musical surgido nessa época, em São Luis, aceito e adotado por uns e criticado por outros. Esse movimento iniciou-se num casarão, sede do Laborarte – Laboratório e Expressões Artísticas, centro de São Luis, existente e atuante até os dias de hoje, localizado na Rua Jansen Muller, nº 42. De lá surgiram vários artistas populares, assim como cantores e compositores da cultura maranhense. Lá se fazia teatro, artes plásticas, danças populares, música e em seguida o tambor de crioula, o cacuriá e a capoeira. Nomes conhecidos nacionalmente hoje, surgiram de lá, como Zeca Baleiro, Rita Ribeiro, Josias Sobrinho, César Teixeira, Rosa Reis e outros, assim como o famoso cacuriá de D. Teté e o tambor de crioula de Mestre Felipe, duas das maiores expressões na tradicional festa de S. João no mês de Junho. A música produzida nessa época tentava se afirmar enquanto estilo musical, também influenciada pela cultura musical brasileira, tendo como referência fundadora o disco Bandeira de Aço, lançado em 1978 pela gravadora Marcos Pereira, com Papete interpretando compositores do Maranhão.

Bandeira de Aço (César Teixeira)

Se ela soubesse
Da areia que eu como
Ela nem perguntava
Se ela soubesse do pó da sereia
Ela nem se zangava
Vento na cumeeira nem dizia palavra...
Palavra, palavra...

Mamãe eu tô com uma vontade louca
De ver o dia sair pela boca
De ver Maria cair da janela
De ver besouro
Ai, ai, besouro
Mamãe eu tô com uma vontade louco
De ver o dia sair pela bora
De ver Maria cair da janela
De ver lobisomem 
Ai, lobisomem...

E ela nem se parece
Como Nhôzinho Chico Soldado
Que na subida da bandeira
Pensou que tava no mundo e era fundo de quintal

Bandeira de aço, bandeira de aço,
Bandeira de aço, bandeira de aço.
Mamãe eu to com uma vontade louca,
De ver o dia sair pela boca
De ver Maria cair da janela
De ver maresia,
Ai, maresia...


Vários foram os nomes que desenvolveram esse movimento, como Sérgio Habib, César Teixeira, Giordano Mochel, Ronaldo Mota, Ubiratan Souza, assim como os grupos Rabo de Vaca e Asa do Maranhão, são seus primeiros representantes, chegando a alcançar certo prestígio na mídia. O termo foi perdendo força ao longo dos anos influenciados pela mídia, principalmente pela televisão, pelo surgimento dos CDs e ultimamente DVDs, para estratificação do seu repertório. Outros nomes tiveram sua 3 produção associada ao termo como é o caso de Beto Pereira, Josias Sobrinho, Gerude, Mano Borges, Ronald Pinheiro, Tutuca, Erasmo Dibel, César Nascimento, Cláudio Pinheiro, Rosa Reis, Célia Leite e outros.




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